Ontem, para fazer o convite de assistir um filme juntos, perguntaste se eu estava trabalhando, porque é o que tua mãe diz sobre as horas que passo na biblioteca. Te disse que o meu trabalho era cuidar da estância e que ela chama de trabalho para vocês entenderem que o pai de vocês não é diferente do pai do Álvaro que tem uma loja ou dos outros colegas da escola cujos pais tem empregos. Eu escolhi trabalhar em campanha porque é uma forma de não ter horários fixos durante o meu dia. – E poder ficar aqui como eu fico no quarto jogando meu Play... – Não, filho, não é bem um Playstation. O videogame, depois de horas de jogo, não deixa nada, enquanto aqui fica o que eu penso, porque escrevo meus pensamentos no papel (ou no word). E não, não dá dinheiro. E sim, se fossemos viver da venda dos livros não viveríamos. – Então qual a razão, pai, de passar tanto tempo lendo e escrevendo se não serve para nada. – É um ofício. E lá fomos nós procurar
Passei os últimos dias navegando erraticamente pelo volume "Oriente", de Thomaz Albornoz Neves. São 771 páginas, encadernadas em capa dura, em edição rigorosamente do autor. Quero dizer: o trabalho de seleção dos textos, a tradução, as anotações, a chancela editorial, o projeto gráfico e a diagramação, tudo. Não vou longe nestes comentários. Esse mar de poesia é amplo, a gente tem de passar entre Cila e Caríbdis várias vezes, tem de interpretar, sem ouvir, as reações desse Ulisses ao contínuo canto das sereias orientais e, por fim, não poucas vezes, na companhia imaginária dos leitores presentes e futuros, regalar-se no banquete, nos termos em que Carlos Alberto Nunes traduziu o momento da confraternização sagrada: “todos as mãos estendiam tentando alcançar as viandas”. Não li de enfiada, confesso. Um livro como esse é um companheiro de muitos anos. A gente mergulha, sai, respira, sente saudade e volta para nova imersão, exercício ou banho rápido. Outras vezes apenas para bu