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Sobre Thomaz Albornoz Neves




Thomaz Guilherme Albornoz Neves (Sant'Ana do Livramento, 23 de dezembro de 1963) é um poeta brasileiro. 

    Apesar de ser considerado um dos expoentes da geração 80, construiu uma trajetória à margem da tradição lírica nacional. Por encontrar linhagens de poetas comuns em diferentes contextos, do Ocidente ao Oriente, do contemporâneo ao canônico, concebe a poesia como um estado universal traduzido de forma particular por cada cultura. Indiferente à língua e a sua identidade, cultiva um humanismo absoluto. Sensível tradutor de versos, seu estilo neutro o levou a experimentar escrever seus próprios poemas em múltiplos originais; do português ao italiano, do francês ao espanhol.
    Mestre na arte do fragmento, criador de uma poesia que aspira um estado não verbal da linguagem, é, de acordo com Rafael Courtoisie:

"um dos autores mais importantes do Brasil contemporâneo. A sua proposta, sólida e comunicativa, é a de um poeta pleno que explora e interroga o mistério em uma cerimônia exuberante de luz e palavra."

Vida
    Filho do médico e poeta Getúlio Floriano Ellwanger Neves e de sua esposa Celina Hamilton Albornoz, é neto paterno de Dorval Brittes Neves, descendente de um mercenário inglês que aportuguesou o sobrenome Britzz para Brittes antes de servir como Coronel na Guerra do Paraguay, e materno de Thomaz Vares Albornoz, agropecuarista que herdou fortuna em propriedades rurais. Se os Vares e os Neves remontam aos portugueses do início da colonização, os Ellwanger imigraram da Suábia e os Hamilton da Bretanha no século XIX. Um dos seus bisavôs, Tauro Diogo Hamilton, foi condecorado por bravura na batalha de Ponche Verde, durante a Revolução de 1923.
    Albornoz Neves fez as primeiras letras no ensino público de sua fronteira natal sobre a qual pesava dois regimes de exceção, o da ditadura uruguaia sobre Rivera e o da brasileira sobre Livramento. No Rio de Janeiro, termina o curso de Direito sem exercer a profissão e o mestrado em Letras sem ingressar na carreira acadêmica. Abandona estudos de cinema em Roma. Ainda inédito no circuito literário, viaja pelo Brasil, América do Sul e Portugal lendo seus poemas. Escreve seis livros de poesia enquanto vive entre Londres, Florença, Sicília, Montevidéu, Paso de los Toros e Sant'Ana do Livramento. Foi traduzido por Rodolfo Alonso, Blanca Varela, Rafael Courtoisie, Misael Ruiz, entre outros.
    Jogador profissional, publicou em Golfe o seu diário de treinamento. Idealizador da Boa-bola, primeira escola para golfistas de bairros populares promovida pelo Clube Campestre de Livramento, desde 1999 forma jogadores de golfe e os insere no mercado de trabalho do esporte.
    Durante a pandemia fundou a chancela tan ed., destinada a publicar autores que escrevem entre as costas de Porto Alegre e as costas de Montevidéu, em português, espanhol e em portunhol. 
    Vive do campo na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai onde nasceu. 

Obra

Renée
    Thomaz Albornoz Neves estreia com a plaquette Renée, em 1985. São vinte e um poemas de amor, sua descoberta, deslumbramento e despedida. Escritos em primeira pessoa, os versos são claros, em sua maioria concisos, com uma tardia e leve pátina surrealista.

O sono
    Sobre os dezesseis fragmentos de O Sono, escritos em 1990 e publicados em uma tipografia artesanal de Nettuno, na Itália, José Lino Grünewald escreve:

"é uma trilha de flashes naquele vai e vem imagem/ideia. A vertente Ungaretti. A imantação Montale. Um dos maiores e mais ricos poemas dos últimos anos." 

e Bruno Tolentino:

"A arte do fragmento é mais complexa do que à primeira vista sugere. Nela a temporalidade e a incompletude convergem. (...) O poema cerca uma unidade para além do meramente sensorial, como da fixação no conceito: soma total da operação de intuir o ser, essa breve suíte (no sentido musical de danças encadeadas) é também um desenho picassiano em seu esplendor linear, o “traço” cercando de vazios uma plenitude que implode a cada curvatura, a cada “dissonância” anunciando um novo “movimento”.

Sol sem imagem
    Sol sem imagem foi editado pela Topbooks em 1996, no Rio de Janeiro. Fernando Py assim o recebe:

"Pois é o fragmento aqui entendido não como a parte incompleta do todo, mas como uma forma perfeitamente acabada – não obstante de menor tamanho –, é esse fragmento o núcleo primordial da poesia de Thomaz Albornoz Neves. E aí nos deparamos com uma questão fundamental: uma poesia alicerçada sobre o fragmento não estará sempre correndo o risco de ser uma poesia incompleta ou até mesmo “menor” quanto à qualidade? A resposta estaria na capacidade de condensação do poeta, sua condição de exprimir o máximo com um mínimo de palavras sem perda da qualidade poética."

Exílio
    Mais de uma década de silêncio é rompida em Porto Alegre com Exílio, de 2008. Sobre esse diário de notas circular baseado em uma experiência de extrema solidão, submetida a uma saturação da linguagem, Ivan Junqueira comenta que

"o poeta foi filiado à linhagem do fragmentarismo ungarettiano, mas penso que o mais correto seria filiá-lo a ele mesmo (ou, mais próximo de nós, ao minimalismo de José Paulo Paes), à sua experiência solitária nos confins do pampa gaúcho e à visão de mundo que dela inexoravelmente decorre, sobretudo quando se pensa na dura condição de quem se confronta cotidianamente com um horizonte (e uma visão dos seres e das coisas) sempre em fuga."

    E arremata:

"(...) o ser que o poeta persegue não se dá à luz da percepção sensorial. Ele está além e não pode ser apreendido como fenômeno, mas apenas como essência, como kantiana coisa em si, e, não raro, dilui-se panteisticamente nos elementos que o rodeiam e que jamais se detêm em seu permanente movimento de vir a ser."

Golfe
    Sua experiência dando aulas e competindo nos circuitos profissionais de golfe no Uruguai e na Argentina enriquece as páginas de Golfe, um diário de treino, publicado pela editora Movimento em 2018 e considerado a primeira obra realmente literária da história do golfe nacional.

 "Golfe é um livro que escapa da literatura do gênero ao trazer um poeta no papel de golfista profissional trabalhando em alto rendimento. As notas sobre a técnica do swing nunca estão dissociadas do seu estado de espírito e da natureza do Rincão da Carolina, a flora e a fauna mudando de acordo com as estações a cada dia de prática durante o ano de 1999. Se o treinamento o leva a escrever sobre o presente, a convivência com a cancha faz com que se interesse pelo passado em branco, sem registros históricos, do lugar. É através da memória de contados golfistas remanescentes dos anos 40 e das marcas deixadas no campo pelo antigo circuito que Albornoz Neves resgata o mapa desenhado por Jose Maria Gonzales para o Armour Golf and Country Club, em 1915. Em um tour de force descritivo faz ressurgir tacada a tacada com o equipamento da época cada fairway centenário do Gonzales que ainda existe na cancha atual do Clube Campestre de Livramento."

À espera de um igual
    Em 2020, Thomaz Albornoz Neves reúne 33 anos de poesia em À espera de um igual (1985-2018) volume em que publica, além dos livros de versos já editados, dois poemários inéditos: Versos para poemas não escritos, de 2015 e No Capuz do olhar, de 2018. À espera de um igual estreia a coleção da tan ed. Se em Exílio as estrofes fragmentadas ainda sustentam um poema em via de extinção, em Versos para poemas não escritos nada resta além do que cabe em uma ou duas linhas, nunca mais que três. A estética da essência na ruína. Nada existe em processo, tudo apenas acontece. O mundo é feito de instantâneas sem entendimento profundo ou busca de sentido. A disposição de anotar a qualquer momento, abrindo mão do retoque é o “modo de fazer” desta proposta. 

No capuz do olhar é o volume final em que Albornoz recolhe, interpreta e re-significa o sentido dos conjuntos anteriores, bastante diversos um do outro. De acordo com Paulo Franchetti:

"Começa este em primeira pessoa: “Deixei de ser poeta aos 33 anos, em 1996”. O poema seguinte ainda mantém o registro: “Nasci em Sant’Anna do Livramento”, mas termina com a proposição que dará a inquieta alternância de ponto de vista que virá: “Ao ler-me, ouço um estranho / que ao ser lembrado me oculta diante de quem o recorda”. O que vem a seguir é uma série de 34 poemas ou seções de um único poema (no total, são 36), em que o poeta fala de si mesmo em terceira pessoa, narra sua história, os acidentes e incidentes da vida e da obra, analisa-se, comenta-se, desdobra-se usando a primeira pessoa para falar de um ele, mas fazendo às vezes um giro rápido, projetando-se outra vez como um “eu” na matéria narrada. Como neste final do poema 19: “Amanhecendo, sai sem ser visto / Lembro também a claridade dura [...]”. Temos aí um pouco de tudo: retrato do artista quando jovem, relato algo heroico algo despiciendo, flashes de vida que valem como símbolos, reflexão metapoética, autoanálise. Aqui não há cedência ao usual, glosa da preguiça, tributo aos patriarcas. É um discurso áspero, mas ao mesmo tempo próximo, como a voz de alguém que nos falasse com os dois pés fincados na terra do presente – aquela mesma que nos foge por entre as palavras e os hábitos herdados, aquela que temos tanta dificuldade de entrever, que dirá de conquistar. Aqui a pergunta de por que ele resolveu dizer isso em forma de poesia sequer se coloca. Impõe-se a voz poética como uma espécie de fatalidade." 

    Entre 2020 e 2023, Thomaz Albornoz publica pelo próprio selo Oriente, 24 verbetes e Pós-escrito a Dante Milano.

Oriente
Oriente -Tao, Chan, Zen- reúne versões do Tao Te Ching, do Shin Jin Mei e do Hokyo Man Zai, entre outros, além de uma antologia da poesia chinesa do séc. I ao XVIII, de poesia japonesa do séc. VIII ao XX, incluindo mais de  200 páginas de haikai. Sobre este livro José Francisco Botelho escreveu:

"De estirpe única é o livro que agora vem às mãos do público. Como ocorre com os autores radicalmente originais, a obra de Albornoz esfacela definições e, no limite, exige uma nova categoria. Oriente é parte de uma trilogia que inclui À Espera de um Igual e 24 Verbetes (Ocidente); ao longo dessa série de obras, o que convencionalmente se chama de poesia autoral se mistura ao que convencionalmente se chama de poesia traduzida. (...) O tradutor poético não deve temer o novo, nem desprezar o velho. Assim é Albornoz. Ao verter a poesia clássica da China e do Japão, o poeta cria algo novo; e, criando, torna o passado contemporâneo ao presente e nos permite experimentar a estranheza e a familiaridade de transitar por universos inatingíveis e minuciosamente humanos.

E Paulo Franchetti:

"Passei os últimos dias navegando erraticamente pelo volume "Oriente", de Thomaz Albornoz Neves. São 771 páginas, encadernadas em capa dura, em edição rigorosamente do autor. Quero dizer: o trabalho de seleção dos textos, a tradução, as anotações, a chancela editorial, o projeto gráfico e a diagramação, tudo. (...) Seu trabalho de tradutor é descrito como “prática de falsário”, o que não é uma boa definição. Com essa modéstia irônica, o que se aponta é o conjunto de atividades que permite a refratada aproximação (e ao mesmo tempo reafirma o distanciamento) do tradutor em relação ao original intangível e, ainda mais, talvez, ao original daquele original – por assim dizer. O posfácio, aliás, se intitula “A tradução no escuro”, o que não é um título exato, uma vez que essas traduções se fazem a uma luz particular, difícil, mas intensa. É, porém, no escuro, no sentido em que a iluminação oferecida pela filologia (e mesmo pelo estudo básico da língua) é cuidadosamente desprezada. É que seu interesse está mais além, como se vê por aqui: “de tudo, em cada caso, ao tradutor resta o contato direto com o que é intraduzível”. Estaria em erro, entretanto, quem lesse a frase como resignação ao fracasso da tradução. Pelo contrário, o que aí está é uma celebração, o desvelamento do fim da atividade e da origem desse livro, como dos outros do autor. Também da poesia se poderia dizer isso, com modalizações; mas seria arriscado e não viria aqui ao caso. A menos que eu enveredasse pelos demais livros do Thomaz. Da tradução, sim, como ele mesmo disse: o contato direto com o que não pode ser vertido em palavras. No universo abarcado pelo título do livro não é também isso o que se denomina iluminação?"

24 Verbetes
    24 Verbetes reúne ensaios biográficos com a tradução de poemas de Konstantinos Kaváfis (14 poemas menores), Yorgos Seféris (Estória Mítica), Ioánnis Ritsos (O Vigia do Farol), Odisseus Elytis (Sol Primeiro), Lucien Blaga (Poemas da Luz), Nichita Stanescu (As elegias), Giuseppe Ungaretti (Os poemas-fonte), Eugenio Montale (Epitáfio), Sandro Penna (6 poemas), André Breton (O surrealismo em dois poemas), Paul Éluard (Linguagem sensível), Henri Michaux (4 poemas), Jacques Prévert (O fusilado a inocência), René Char (Alquimia e poesia), Georges Schehadé (Poesia e fábula), Harry Martinson      (Noite de criação), Erik Lindegren (Poesia e abstração), Tomas Tranströmer (Virtuose poética), Joseph Brodsky (Écloga V. Verão), Seamus Heaney (Poesia e ética), John Ashbery (Autorretrato), Robert Hass (A frase no verso), Antonio Porchia (Poesia e aforismo), Octavio Paz (A Pedra de Sol).

Pós-escrito a Dante Milano. 
   Originalmente defendida como dissertação de mestrado na PUC/RJ em 1996, esta biografia do poeta carioca Dante Milano (1899-1991) foi reescrita por Thomaz Albornoz Neves em 2022 e publicada pela tan ed. acrescida de um pós-escrito que aprofunda a análise da obra milaniana e do sistema de legitimação de um poeta recluso e avesso à fama no meio literário modernista brasileiro.
    Pós-escrito a Dante Milano está composto por entrevistas, depoimentos, fortuna crítica e acervo iconográfico sobre o poeta. O complementa um apêndice com os pressupostos teóricos construtivistas e a sua aplicação pela historiografia literária contemporânea.
    Através de Milano, um poeta de vocação póstuma, Thomaz Albornoz Neves reflete sobre os mecanismos que legitimam o reconhecimento de um autor no meio literário brasileiro. Indaga se apenas o valor do texto é suficiente para que uma obra pertença ao cânone do seu tempo ou se a sua forma de transmissão (editorial), sua recepção (fortuna crítica) e o pós-processamento crítico (o meio acadêmico) são igualmente determinantes para a consagração de um poeta.

tan ed.
    Editou para o selo os seguintes títulos:

1. À espera de um igual (1985-2018), TAN , 2020. Poesia.
2. Oriente, TAN, 2021. Poesia traduzida.
3. 24 Verbetes, 2022. Ensaio, poesia traduzida.
4. Política, de Michel Croz, 2021. Poesia.
5. Antologia Inventada, de Rafael Courtoisie, 2021. Poesia.
6. Poesia (1985-2011), de Getúlio Ellwanger Neves, 2022.
7. Inventário (1986-2020), de Lucio Carvalho, 2022. Poesia.
8. Relatos Reunidos, de Graciela Moratorio, 2021. Prosa.
9. Pós-escrito a Dante Milano, TAN, 2023. Biografia, crítica literária.
10. Perros del Diablo, de Letícia Nuñez Almeida, 2022. Prosa.
11. Olhar o Ar, de Felipe García Quintero. 2023. Poesia.
12. La Minuana, de Lucio Carvalho, 2023. Prosa.

Sinopses:

4. Política
    Política, de Michel Croz, publicação de resistência em tempos que parecem chocar outro ovo da serpente. Não, não editamos entre as grandes guerras do século XX, mas cem anos depois. A constatação de que a espiral das mentalidades retorna ao pior passado moderno, o da insurgência totalitária, rege estes versos escritos para serem lidos de uma sentada e em um só fluxo.
    Talvez o mais notável em política seja o que o separa da poesia de contestação atual. No lugar dos libelos da militância e da fácil evocação panfletária, este livro não clama por liberdade, a exercita. A criação, sabemos, difere da descrição.
    Assim, para além da força do seu humanismo, o que torna esta poesia um exercício libertário é a sua variação de estilos, sua polifonia e seu foco caleidoscópico. Tal pluralidade formal, de timbres e de perspectivas revela um poeta no auge da sua técnica, capaz de equilibrar maturidade e inquietude, instinto lírico e poder de indignação.
    Em um universo de alusões latino-americanas, Croz passa de Jara a Gil, de Courtoisie a Bukowski, de Grouxo a Fidel, para mergulhar no emblemático poeta riverense Olyntho Simões (1901–1966) e renovar o seu portunhol-raiz com uma voz que o nativo reconhece falada e o forâneo entende escrita.
    Espontâneo e genuíno, o doce uso do linguajar é também político, evidentemente. E quando funciona, como na linhagem poética que de Olyntho Simões passa por Michel Croz e deste ao jovem David Benavídes, cristaliza a oralidade popular em uma concreta permanência literária.
    Cabe menção ao apuro da tradução de Verônica Loss, que atende as exigências não apenas dos originais, mas das inversões híbridas. Como se verá, o portuñol em espanhol não é o mesmo em sua versão em português. O trabalho de Loss aqui não só é inédito, é referencial para o ofício.
 
5. Antologia Inventada
    Livro conceitual, com pulmão infinito. A inteligência poética é fina, sutil, caleidoscópica. O leitor se vê diante de uma virtuose expressiva que se coloca ao serviço das vozes que cria ou incorpora. É raro encontrar tanto corpo poético quando o conceito revela-se tão original. A arte conceitual tem essa fraqueza, corre o risco de esgotar-se no encanto da ideia. E a ideia, a longo prazo, costuma tornar-se árida pela repetição. Não é o caso aqui. Antologia Inventada é um logro a cada novo poeta abordado, um tour de force e uma realização de plenitude do ofício.
    O poeta uruguaio Rafael Courtoisie escreve poemas de Baltasar Brum, Svetana Staiev, Jean-Paul Sartre, Camille Claudel, Lao Tse, Sylvia Plath, Alfonsina Storni, Alaíde Foppa, Ludwig Wittgenstein, Ferreira Gullar, Czeslaw Milosz, Raymond Carver, Virginia Woolf, Tzvetan Todorov, Itzel Xochitzin, Elizabeth Bishop, entre outros renomados ou inventados autores da literatura do passado, presente e do futuro.

    Edição bilíngue, com a tradução de Thomaz Albornoz Neves.

Da introdução escrita pelo autor:
    Todos os textos deste livro foram sonhados e escritos por mim. Há ocasiões em que o poeta do século XXI deve ser muitos para ser um, para encontrar essa essência que vem desde o fundo da história e desde o começo da literatura e nos torna humanos. 
Meu avô literário, Isidore Ducasse, o conde de Lautremont (L’autre à Montevideo), afirmava que a poesia deve ser tecida por todos.
    Esta Antologia Inventada está feita pelos poetas que amei e de alguns (poucos) que não amei mas que fazem parte de mim; reúne poetas inventados e outros que foram poetas, mesmo que não escrevessem versos conhecidos: Juan Rulfo, Franz Kafka, Ludvig Wittgenstein. Também surgem alguns que são a negação da poesia: aqui pode ler-se um “inédito” de Donald Trump que revela quem matou Kennedy, entre outras coisas terríveis.
Antonio Machado diz: “Se mente mais da conta / por falta de fantasia: / também a verdade se inventa”. Aqui não se mente nem um ápice: se diz a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade, mas para dizê-la recorro a um jogo de máscaras.
    Esta edição reúne textos desconhecidos de autores reais, vivos ou mortos, textos reais de autores desconhecidos, imaginários, possíveis ou impossíveis; textos que constroem uma poética polifônica, heterodoxa, múltipla.
    É minha própria voz a que tenta desprender um mundo de vozes entre a intertextualidade e a invenção que é, como teria dito Octavio Paz, “homenagem e profanação”, desconstrução e nascimento.
    Esta Antologia Inventada escrita com meu próprio punho e letra (em ocasiões mais com o punho que com a letra, às vezes mais com a letra) é, mais que um livro de poesia, um projeto cultural que emprega, entre outros procedimentos, talvez o contrário de um exercício de “heteronímia”: uma prática de assimilação e soma dialéctica das vozes da tradição para criar desde a tormenta e o salto, desde a ruptura com essa tradição.

Rafael Courtoisie [Montevidéu, 1958] é um dos mais reconhecidos e premiados autores ibero-americanos contemporâneos. Membro correspondente da Real Academia Española, membro da Academia Nacional de Letras del Uruguay, integrante do International Writing Program (Iowa University). Antología Inventada foi traduzida e editada en francês, inglês e italiano. É autor de vários volumes de contos, poesia e de quatro novelas..

6. Poesia (1985-2011)
    Nascido em São Sepé em 1929, Getúlio Ellwanger Neves foi um médico-cirurgião de província que publicou entre 1985 e 2018 os quatro livros de poesia e as belas canções gravadas em Anéis do tempo de onde foram escolhidos os poemas aqui reunidos.
    Esta ampla seleção com viés de Obra Completa revela um criador fértil, de estilo original e universo definido. Cronista do silvestre -do guapuruvu, do jacarandá, do ipê, da pedra e do limo-, da fauna das taperas -o cusco, a lagartixa, o sapo, o manduruvá, o joão-de-barro, o gafanhoto-, de um gaúcho não folclórico, também cisplatino, das praças soleadas e nevoentas, das calçadas irregulares pelos joanetes dos cinamomos, dos pátios com pomares e das vilas rurais, dos cemitérios de campanha e das igrejas citadinas, da fronteira datada na sua infância e mocidade e do atemporal que permanece ainda no ambiente da fronteira onde morou a maior parte da vida e se acostumou a traduzir.
    Poeta existencial, às vezes árduo, às vezes cáustico, mas sempre comovido, Getúlio permite que o impulso poético dirija o verso ao terceto, à quadra e ao soneto ou o desestrofize, derretendo-se a partir da linha seguinte. Apesar do repertório de estilos, sua voz não muda. A espontaneidade de timbre, traço do que é genuíno, é uma das marcas da sua escrita.
    A tan ed. oferece ao leitor a edição definitiva de um poeta essencial no panorama da poesia contemporânea do Rio Grande do Sul.

7. Inventário (1986-2020).
    Reúne poemas de Falso Alarde, Pedra Pomes e Achados Salvados Perdidos do bageense Lucio Carvalho (1971). Lucio escreve sobre o campo sem recair no folclore e sobre o universo urbano sem perder o olhar trazido do interior. O resultado é uma dicção cosmopolita que renova a cultura gaúcha e extravasa Porto Alegre, sua cidade de adoção. Poeta do cotidiano e do pensamento é uma das vozes mais originais da poesia contemporânea brasileira.

8. Relatos Reunidos.
    Graciela Moratorio estreia em livro com Relatos Reunidos, coletânea escrita em espanhol que inclui uma novela curta e vinte e um contos. Sua prosa clara, sempre conduzida pela ação, retrata a sociedade do interior uruguaio a partir dos anos 50 do século passado desde a perspectiva de fortes e enigmáticos personagens femininos.
    A autora nasceu em Montevidéu no dia 23 de junho de 1939. É terapeuta floral. Durante 32 dias do verão de 1995, percorreu os 840 kms do Caminho de Santiago de Campostela. Na sua volta ao Uruguai, começa a escrever.

Sobre este livro comentou:
    Estaba rememorando las opiniones que he escuchado de aquellos que están leyendo o ya lo hicieron sobre mi libro: Relatos Reunidos….Hay aquellos que dicen que hablo demasiado de la Señora Muerte… Y cómo no hacerlo si ella también forma parte de la vida? Y aquellos que sienten que en muchas página está presente la adrenalina. También es cierto. Episodios de esas familias o personas que elegí retratar, fueron por que dejaron una marca indeleble en mi memoria. Todos los comentarios me sirven y los recibo espectante, pues hago acopio de opiniones a tener en cuenta en las líneas que sigo creando. 
    De cierta manera escriben junto commigo. Es la voz silenciosa, grabada en mi memoria que dicta, insinúa, señala lo que si o lo que no que debo remarcar o eliminar o hasta repensar… Escribir es una tarea en solitario. Era….pues ahora considero por momentos: que pasa a ser una sociedad en comandita.

10. Perros del Diablo 
    Esta delicada, libertária e comovente soma de pequenos relatos interligados retrata o povoado pesqueiro de Punta del Diablo situado na costa leste do Uruguai, através do olhar de um gato chamado Artigas.
    Artigas é um gato, gato. Não confundir com o famoso felino anônimo e antropomorfizado de Soseki, que critica na sociedade japonesa durante a Era Meiji (1868-1912) a crescente contaminação das tradições nipônicas pelos costumes ocidentais.
    A bem da verdade, a crítica social em “Perros del Diablo” não é satírica, é real, e filtra as tradições e valores conservadores orientais (uruguaios) através da acidez e da doçura da contra-cultura.
    O resultado dessa narrativa leve e bem-humorada é um livro que no lugar de humanizar os animais, os personaliza. O leitor encontrará Morgan, o pelo-de-arame nadador de Eduado Galeano; Belchior, enorme cão rastafari deixado no balneário pelo músico do mesmo nome; Ernesto, terranova que mora num barco pesqueiro, entre outros tantos personagens cujas histórias se cruzam com a do lugar e seus habitantes.
    Playa de la Viuda, Playa Grande, Playa del Rivero, Playa de los Pescadores são alguns cenários das aquarelas com que a artista argentina e local, Florencia Valle, ilustrou este que é, seguramente, o mais belo volume editado pela tan editorial até agora.

11. Olhar o Ar  do colombiano Felipe García Quintero [Bolivar, Cauca, 1973] extrai poemas de nove livros publicados entre 1999 e 2021.
    Quintero obteve os prêmios de poesia Encina de la Cañada (Espanha), o íbero-americano Neruda 2000 (Chile) e Eduardo Cote Lamus (Colômbia). Por Siega (Plural editores, 2017) recebeu o Prêmio Nacional de Poesia, promovido pela Universidade de Santander, Colômbia.
    É doutor em Antropologia e docente titular do Departamento de Comunicação Social da Universidade do Cauca, Colômbia. Como escritor convidado e bolsista residiu temporadas em Quito, Madri e Cidade de México.
    Sua poesia foi vertida ao francês por Marcel Hennart e Ana María Zuñiga, ao italiano por Emilio Coco e Alessio Brandolini, ao inglês por Alex Salinas e ao árabe por Abdul Zagbour, entre outros.

Sobre Felipe escreve Cristóbal Zapata:
    Poeta horizontal, excepcionalmente versátil, García Quintero recorre quase sempre à prosa poética, pois é o meio que melhor parece corresponder ao clima introspectivo, retrospectivo e, em última análise, reflexivo da sua escrita. À prosa grosseira e surda do mundo, o poeta opõe uma cadência e uma sintaxe propícias ao recolhimento e à meditação pelas suas qualidades musicais e pela sua espessura meditativa.
    Quase toda a sua poesia é um fluido orgânico, contínuo, apenas interrompido por cesuras, pausas ou números ordinais. Reparem os tantos textos que carecem de um ponto final, como se as imagens e as ideias em jogo -particularmente a consciência circular do corpo no espaço- seguissem o seu curso, o seu decurso, o seu discurso, em um corsi e ricorsi perpétuo. É por isso que talvez este livro não deva ser lido como um livro de poemas, mas sim como o diário das operações da sua consciência, como a relação cronológica de sua experiência interior.
A tradução é de Thomaz Albornoz Neves.

12. La Minuana
    Foram extintas ou exterminadas as etnias originárias do pampa riograndense e uruguaio? Nem história nem arqueologia sabem dizer. Nesta novela, um pequeno clã remanescente das etnias originárias do sul brasíleiro e do Uruguai busca por sua sobrevivência num mundo que se transforma radicalmente em guerras que se emendam umas nas outras. Do encontro de um desertor e de uma feiticeira minuana, em finais do séc. XX, nasce José, meio branco e meio índio. Síntese de um povo de uma história atorada pela metade, essa novela deseja lembrar da outra metade, a indígena, que restou apagada quase que para sempre pela história e também pela literatura.
    Lucio Carvalho nasceu na fronteira do Brasil e o Uruguai, em Bagé (Rio Grande do Sul), e viveu sua infância e adolescência entre a cidade natal, o município de Lavras do Sul, cidade onde residiam os avós paternos, e a estância Três Tarumãs, propriedade rural de seus pais. Atua profissionalmente no Ministério Público do Estado do RS, no qual concursou-se em 2004. Em 2020, criou e tornou-se editor da revista literária quadrimestral Sepé, hoje em sua décima edição. É crítico, ensaísta, poeta, escritor e editor. 

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                                                   *
Thomaz Albornoz Neves é um mestre na arte do fragmento.
Bruno Tolentino

Sua poesia não perde tempo com torneados: vai direto à iluminação poética. Sim, foi o que me sugeriram seus poemas: Iluminações.
Ruy Espinheira Filho

Poesia construída com finos traços e com silêncios. O texto é zen, quase mineral, quase casto, um despojamento. Provoca no leitor sorrisos diante de um poeta que, sabendo o que sabe, é sereno como uma montanha.
Neide Archanjo

Poesia cristalina e misteriosa.
José Paulo Paes

A poesia de Thomaz Albornoz aspira um estado não verbal da linguagem. (...) Poeta para poucos e, como poucos, não se entrega integralmente a uma primeira leitura.
Ivan Junqueira

Sua força reside na busca de diferenciação, através da opção por um percurso que nada tem a ver com a tradição lírica nacional. 
Ricardo Vieira Lima

Uma voz íntima, mas quase sideral, imersa em um silêncio enorme.
Rodolfo Alonso

Exílio: o poema quântico.
Juva Batella

Thomaz Albornoz Neves é um dos grandes poetas do Rio Grande do Sul.
Vera Ione Molina


                                          *
         

Poesia: 
Renée,  plaquette, edição do autor (1987)
Sol sem Imagem  (ed. Topbooks, 1996)
Exílio (ed. Movimento, 2008). 

Integra, entre outras, a Antologia da Nova Poesia Brasileira (org. Olga Savary, ed. Hipocampo-Massao Ono, 1992), a Roteiro da Poesia Brasileira. Anos 80 (org. Ricardo Vieira Lima, ed. Global, 2007) e o Pequeno inventário poético da Fronteira Oeste (org. Vera Ione Molina, ed. Proa, 2014).

Monografia:
Um Certo Dante; Biografia do poeta Dante Milano, PUC\RJ, 1996.

Prosa:
Golfe
Vol. I Diário. 
Vol. II No Rincão da Carolina. 

Desenhos:
33 Esboços (ed. Braguay, Sant'Ana do Livramento, 2017)

Filmografia:
Santa Ana dos Livramentos, Documentário 28", 1990.
O Braço, Ficção, 12", 1990.

Fotografia:
Fora de foco, Fotos privadas. 

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Mar Becker

  De Mar Becker sei que nasceu em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e que é gêmea de Marieli Becker. Sua mãe, Meiri, costurava em casa e sua avó, Maria Manoela, foi vítima de uma tragédia não revelada às netas crianças. Que estudou filosofia e hoje mora em São Paulo, na reserva de Guarapiranga, com Domênico, seu marido. Sei que é leitora voraz, que tem bom gosto poético e que é culta, que gosta de cavalos, cães, gatos, Zitarrosa, de música nativista e de Glen Gould. Que toca violão e canta, gauchinha, com voz meiga, quase infantil. Sei outras coisas que, como estas, importam pouco, são letra fria diante do que ela escreve e da forma como escreve os poemas de "A mulher submersa", seu livro de estreia publicado pela editora Urutau.  A primeira impressão de leitura é de que esses poemas foram impelidos por instinto de urgente sobrevivência. Apesar da urgência, há neles lenta maturação e extremo refinamento. A leitura nos deixa quietos, maravilhados muitas vezes, enternecidos e

Os 300 apelidos do golfe no Campestre

Renatinho "Calengo" das Trevas Chupa Limão, Bico de luz, Canela de Facão, Sebinho, 500. O Chama Chuva, Vanusa, Panteão (Naba e Olho de Gato), Cocota, Chulé, o Sujeira. E o Banho. Porquinho, Rabicó, Poleta, Xereta, Careta, Galo Cinza que é também Chubrega e Marsupa. Nenê, Fio, Bacalhau, Ferrugem, Cofrinho e o Tevez. O Substância, mais o Bichinho. Caldinho, Surdo, Baixinho, o Cavalo, o Cavalinho e o Minihórse. O Mutuca, são três. O Randicape, o Pateta, o Pibe, o Kika, o Cambão, o Pintinho, o Bixiga, o Toro, o Papitolante e os Vaqueiros. Castorzinho, o Pistola. Junta o Candanga mais o Canguru. Negão, Cobra, Maneca, o pai, e Manequinha, o filho. E o Bajuba. Mais o Cachorro de 10, Tropeiro de Tartaruga, Juruna (mais conhecido como o Godzila sem dente). E o Pepe, Cona, Marzinho, Biscoito, Renatinho Calengo (de sobrenome das Luz das Treva), também conhecido Mãozinha. Pedra, Pichão de Cuervo, Tunico, Alfe, Reuler (vem do Herbie do "Se meu fusca falass

"Exílio. O poema quântico". por Juva Batella

Os poemas que compõem o grande poema que se lê em Exílio não são narrativos; funcionam, antes, como fragmentos, e não como etapas ou camadas. A poesia de Thomaz Albornoz Neves não é, portanto, do tipo retórica ou esparramada, e compõe-se num espaço textual tão conciso, que o leitor — não tendo para onde fazer correrem os olhos — deve permanecer onde está, com o olhar virado para si e tentando, dentro de si, encontrar, neste espaço privado, uma equivalência pessoal para o jogo de espelhos de outro espaço privado: o espaço do poeta, ou, antes, do olhar do poeta sobre o mundo, sobre o seu fazer poético e ainda sobre o seu próprio olhar acerca deste fazer. A poesia de Thomaz Albornoz Neves não é fácil de se ler às pressas. Lendo-a às pressas, ela nos escapa. Ler poesia, em geral, não é fácil. É, antes, um movimento que caminha contrário à automatização que se ganha com o tempo e com os tempos dedicados à leitura de prosa — este correr de olhos em que saltamos de uma palavra à outra, rec