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Postagens sobre Cuba

 


13 de julho

I
A Comissão Executiva Nacional do PT soltou ontem nota de apoio ao governo cubano, responsabilizando o embargo dos EUA pela crise pandêmica na ilha.
II
Que o embargo seja um instrumento de pressão política condenável não há discussão. Especialmente porque atinge diretamente a população. Os países submetidos a embargos comerciais por parte dos EUA são: Bielorrússia, Burundi, Congo, Crimeia (Ucrânia), Coreia do Norte, Cuba, Irã, Iêmen, Líbano, Líbia, República Centro-Africana, Rússia, Síria, Somália, Sudão, Sudão do Sul, Venezuela, Zimbábue e Balcãs Ocidentais.
O embargo a Cuba é o mais antigo e já foi condenado pela ONU em mais de uma ocasião, apesar de o Porto de Muriel, pago pela Dilma, estar em pleno funcionamento. Por outro lado, de acordo com o Humans Rights Watch, a República Socialista Marxista-leninista Unitária de Cuba (sim, marxista-leninista unitária, meu deus) continua a punir a dissidência. O número de detenções arbitrárias e de curta duração de defensores de direitos humanos e jornalistas independentes ultrapassa as 3.000 denúncias em 2020. Fora os 120 presos políticos condenados e presos pelo regime.
Pessoalmente execro a política internacional imposta pelo capital. E as relações financeiras - e culturais- que os EUA mantêm com o mundo são profundamente perversas. Mas daí a apoiar uma ditadura como a cubana porque os americanos são os lobos que são é uma distorção ideológica.
III
Que o PT siga defendendo em pleno século XXI um Estado totalitário capaz de bloquear a internet do país inteiro para coibir manifestações públicas em favor da vacinação é inacreditável. É de pasmar.
rr


14 de julho

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IV
O admirado olhar romântico sobre Cuba impressiona. Eu também adoraria projetar minhas melhores intenções para o mundo em uma sociedade ideal e defendê-la com toda a minha paixão contra os malvados do planeta.
Defender o acesso universal à saúde e à educação e ao trabalho. Idolatrar a igualdade e pendurar na parede Che no lugar do crucifixo. Ter paciência para ler Frei Betto, fazer turismo ideológico na bolha do tempo, olhar para cubanas e cubanos como se fossem Adão e Eva.
Eu me sentiria melhor comigo mesmo. Teria finalmente algo puro pelo qual lutar. Uma ideia que me redima.
A liberdade tem um custo. Ela se autorregula, coloca as forças em movimento, pune a omissão, vive da ação. Acusar o regime repressivo cubano de criminoso e aos amigos brasileiros que o defendem de ingênuos e românticos não me torna um defensor do sistema financeiro internacional.
O mundo não é dual. Não é mais comunismo x capitalismo, Lula x Bolsonaro. Sugiro um passeio fora da bolha. Que tal a Escandinávia? O modelo social de lá. Não é tropical, eu sei, mas ao menos é real.
p.s. Se a Covid não permite ir tão longe, como exemplo de Terceira Via, depois de vinte bons anos de FA, o Uruguai aqui também serve.

15 de julho

V
O penúltimo dos 81 capítulos do "Livro do Caminho e da Virtude* descreve um reino ideal. Lembro sempre desse poema quando converso sobre política aqui. Especialmente quando o assunto é a sociedade e seus valores: o progresso, o bem-estar, o conhecimento e as aspirações de um povo.
Essa coisa toda sobre Cuba outra vez foi pretexto para que a mente fosse ao:


LXXX
Um domínio pequeno, com moradores
que não se aventuram fora do reino
Há ferramentas, mas ninguém as usa
carruagens paradas, barcos ancorados
armas e couraças fora da vista de todos
Um reino onde em vez da escritura
ainda utilizam os nós de uma corda
Acham boa a própria comida
adequadas suas vestes, quietas suas moradas
e agradáveis seus velhos costumes
Com aldeias lindeiras ao alcance
do canto de um galo e do ladrar dos cães
Mas a vida passa sem que os vizinhos se encontrem

A quem não consiga encontrar a poesia nesses versos, sugiro um diapasão de leitura mais baixo. Ler em voz lenta. Ajuda para entrar na refinada, sutil, sensibilidade chinesa clássica.

* Tao Te Ching, presumivelmente escrito no século VI antes da era comum, cuja autoria é atribuída a Lao Zi (Velho Jovem), quando o mais provável é que tenha vários autores de várias épocas.


18 de julho

VI
A covarde patrulha das panelas
A média de 30 curtidas por postagem me coloca no mesmo lugar que estive com a poesia a vida inteira: o anonimato. Lugar de conforto de onde se escreve com a vaga impressão de que alguém sem vulto nem identidade definida passará os olhos pelo texto. Isto proporciona margem de ação, liberdade.
Posso pensar a besteira que quiser indiferente à covarde patrulha das panelas.
Isto posto, o maior contato que tive com Cuba foi comprando Cohiba contrabandeado dos exilados cubanos que em Rivera se sentem no paraíso. Minha preocupação com seus conterrâneos lá nas ilhas é igual a que tenho pelos coreanos do Norte e menor da que provoca o Haiti. Ou os massacres tribais e religiosos na África. Quero dizer, é genérica.
Cuba passa a me dizer respeito quando PSOL, PT e Lula defendem a ditadura cubana. Assim turbinam a polarização e, evidentendemente, Bolsonaro.
Que o Mensalão e o rapto sistemático do Estado pelo Partido dos Trabalhadores desdenham da democracia está claro. O apoio ao regime repressor cubano só evidencia a vocação autoritária que envelhece o maior partido político da América do Sul.
E que o humanismo orfão de representantes e emparedado pela pior direita não é motivo suficiente para provocar a reinvenção da esquerda, também.
Enquanto isso, o Congresso triplica o fundo eleitoral e manobra para votar a reforma política que institucionaliza o fisiologismo.

27 de julho


VII
Quem patrulha o Padura?
Li o comentário morno, frio, feito pelo mais conhecido escritor vivo cubano, Leonardo Padura, morador de Havana, sobre a repressão às manifestações populares de 11 de julho. Diz Padura que "os manifestantes em Cuba gritam sem querer ouvir os demais". Quais demais, cara-pálida? Tanto a entrevista a Folha, quanto o que ele escreveu sobre o assunto são obras primas de sutileza, aulas de equilíbrio em cima do caco da garrafa do muro.

VIII
Já o reacionário e revolucionário (os adjetivos se complementam) Sílvio Rodrigues, diz que só deveriam estar presos os manifestantes "violentos". Os pacíficos que foram presos não deviam ter sido, mas... fazer o quê? "Há um vácuo entre as gerações..."

Silvio Rodrígues tem um filho rapper, Silvito El Libre, que acaba de lançar o rap “Pesadilla”(Pesadelo), onde desafia o regime e defende o fim do sistema comunista. Para um pai o que será mais valioso, o filho que luta por um ideal ou o filho que apoia o "seu" ideal

IX
Perguntei a Sydney Limeira Sanches, amigo mais que querido e advogado especialista em direitos autorais, sobre o Cuba. Eis a resposta, em bate-pronto:

"Os países com regimes centrais e autoritários, seja de direita ou esquerda, tendem a não proteger os direitos autorais, diante da rasa leitura de que os interesses do coletivo deveriam se sobrepor ao exercício dos direitos individuais. Não é diferente em Cuba, onde há uma Lei de Direitos Autorais, com aparência de ter sido formulada nos princípios das convenções internacionais, mas que, na prática, é gerida a partir dos interesses do Estado, como forma de controle dos conteúdos e da cultura.

E acrescenta o meu amigo:

"Os grandes artistas cubanos têm seus direitos geridos por entidades fora de Cuba, em especial espanholas, que têm grande influência na ilha. Sílvio Rodrigues e Pablo Milanês são exemplos. Com relação aos escritores, a lógica é a mesma. No caso do audiovisual produzido por estúdios estrangeiros “idem”. Dinheiro e direitos fora de Cuba."

X
Perguntada sobre o mercado editorial cubano, em particular sobre a questão dos direitos autorais, a blogueira cubana Yoani Sanchéz, responde que: “O tempo entre a escritura e a publicação é grande, por causa do processo burocrático que o livro passa pela censura”.

Mas o interessante foi o adendo, para Yoani:

"Não há uma necessidade cabal de se exigir direito autoral, afinal, não há hoje em Cuba como escritor algum melhorar a qualidade de vida apenas pelo fato de escrever livros."

XI
Mais que nunca é preciso ler os poemas do livro Fuera de Juego* do cubano Herberto Padilla:

EN TIEMPOS DIFÍCILES
A aquel hombre le pidieron su tiempo
para que lo juntara al tiempo de la Historia.
Le pidieron las manos,
porque para una epoca dificil
nada hay mejor que un par de buenas manos.
Le pidieron los ojos
que alguna vez tuvieron lagrimas
para que contemplara el lado claro
(especialmente el lado claro de la vida)
porque para el horror basta un ojo de asombro.
Le pidieron sus labios
resecos y cuarteados para afirmar,
para erigir, con cada afirmacion, un sueño
(el-alto-sueño);
le pidieron las piernas,
duras y nudosas,
(sus viejas piernas andariegas)
porque en tiempos dificiles
¿algo hay mejor que un par de piernas
para la construccion o la trinchera?
Le pidieron el bosque que lo nutrió de mno,
con su árbol obediente.
Le pidieron el pecho, el corazon, los hombros.
Le dijeron
que eso era estrictamente necesario.
Le explicaron después
que toda esta donación resultaría inútil
sin entregar la lengua,
porque en tiempos difíciles
nada es tan útil para atajar el odio o la mentira.
Y finalmente le rogaron
que, por favor, echase a andar,
porque en tiempos difíciles esta es, sin duda, la prueba decisiva.

------
*Em 1968, este livro ganhou o Grande Prêmio da União Nacional dos Escritores e Artistas de Cuba. Os poemas não ocultavam o autoritarismo das autoridades cubana, o que despertou a ira de Fidel. Apesar das pressões feitas pela direção da União de Escritores, o júri, composto por entre outros José Lezama Lima, lhe outorgou o prêmio por unanimidade. (wiki).
Hoje tem a sua tradução inédita ao português feita pelo poeta Dilan Camargo.

27 de julho

XII
Em 2003, três dissidentes foram presos fugindo em um barco. Castro os executou sumariamente. Foi quando Saramago pulou fora. Chomsky ficou. E também o Chico Buarque.

XIII
Pesos e medidas
No Pan de 2007, o presidente Lula e seu ministro da Justiça, Tarso Genro, negaram o asilo e promoveram a deportação imediata dos boxeadores cubanos Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux. Notemos que em março desse mesmo ano, ambos políticos acolheram Cesare Battisti, que entrara no país com documentos falsos. Em 2018, Battisti confessaria na Itália a participação no assassinato de um açougueiro, um joalheiro e de dois policiais. Um show de humanismo, o dos petistas.

XIV
Quanto dos salários dos médicos cubanos foi para o Estado? Os médicos receberam através do governo brasileiro? Ou o repasse dos salários era feito via Havana? Qual o percentual confiscado? A lógica do Partido é que o investimento feito pelo Estado na formação dos médicos - e dos boxeadores - autoriza tratar o fruto do trabalho do indivíduo como "propriedade coletiva".

XV
Cita-se, com frequência, a Saúde. Ricardo Rangel pergunta qual o nível de excelência de um médico formado em Havana? Qual o seu acesso aos processos tecnológicos e às pesquisas, tratamentos, desenvolvidos depois da década de 80?

XVI
Não conheço álibi mais efetivo que o embargo (ignóbil, sem, dúvidas.). Sempre que há tensão popular em Cuba, surge "el bloqueo" como argumento. Há quem pergunte porque Cuba não negocia com Rússia, Venezuela ou Brasil. Negocia. E negocia com os EUA também.

XVII
Mas a avaliação mais ampla foi feita por Demétrio Magnoli no incontornável artigo "Segredo de Cuba está no sistema totalitário". Transcrevo um parágrafo:
"O segredo está em outro lugar: o sistema totalitário. A URSS sobreviveu por mais de 70 anos, um horizonte inviável para regimes meramente autoritários. Ditaduras comuns reprimem a sociedade civil a partir de fora, utilizando basicamente engrenagens estatais. Ditaduras totalitárias operam a repressão essencialmente a partir de dentro, por meio do Partido-Estado. [...] O Partido Comunista cubano tem 700 mil filiados, numa população de 11 milhões. O Partido-Estado forma uma rede de clientela política inimaginável em outros sistemas de poder."

XVIII
É sabido que não há analfabetismo em Cuba. Mas, o que lá é aprendido? Há livre pensar? O que se lê? O que se cria?
Alfabetização sem liberdade gera conhecimento?

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