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Georges Schehadé

                                                                                                                                                                                              Alexandria, 1910 –    Paris 1990                                               III Se tu eras bela como os Mágicos do meu país Meu amor não chores ...

A judia russa de Lavínio Mare, Ardea, 1989

Moro de favor faz alguns meses numa das tantas casas de praia prensadas entre a Via Ardeatina e o Mediterrâneo. Cheguei no começo do outono e devo partir antes do próximo verão. A Signora Vittoria é grata por ter alguém aqui durante os meses em que o balneário fica deserto. Ainda espero sua visita. Depois de ter vivido tanto tempo ilegal, a matrícula no curso de cinema abriu meu visto por mais dois anos. Três dias por semana tomo o primeiro ônibus matinal, percorro 40 kms pela Litorânea até a ferrovia de Ostia e retorno de Roma no último trem, justo a tempo de fazer a baldeação da meia-noite para a praia. Não pago a escola enquanto participar da organização do acervo filmográfico. Mas escapo sempre que posso e passo o fim das tardes na Biblioteca Nazionale fotocopiando por pouco mais de nada todo livro de versos que cai na minha mão. A comida e o transporte me custam menos de cem dólares por semana, o que garante até o verão sem ter que trabalhar. Não tenho expectativa alguma além...

Três poemas de Po Chü-I 772-846

TRÊS POEMAS * Um raio do poente na água desliza Metade amarelo metade vermelho O orvalho brilha como pérola A lua como arco * Na teosofia da luz a razão universal não é mais que o corpo de um anjo morto O que é a essência? O que nutre o anjo morto Cânfora, incenso perfeito Sua chama não deixa cinzas * Não penses no que foi O que passou é inútil Nem penses no que virá Pensar no futuro é em vão De dia és saco no chão De noite, pedra na cama Se tens fome, come Se tens sono, dorme  

Três poemas de Wang Wei

  ESCRITO AO SUBIR A MONTANHA DE HEBEI A aldeia na beira do precipício Entre a bruma do abismo e as nuvens a pousada é mirante do poente No espelho d’água as montanhas escuras Lanternas, uma a uma, acesas pelos pescadores Um único bote, ancorado. Pássaros regressam Silêncio. O céu e a terra adormecem Turvos, na quietude, meu coração e o rio CRUZANDO O RIO Vogo o calmo, imenso rio A água azul alaga o céu Céu e rio se apartam Dez mil casas aparecem Mercados e muralhas Bambuzais e amoreiras Deixo atrás meu povoado A espuma das ondas inunda as nuvens O VALE DAS FLORES AMARELAS Trilha íngrime. Dez mil voltas Já paramos por três vezes Das curvas, na altura, os outros somem entre os cimos e a mata Som de chuva nos pinheiros de correnteza nas rochas No abismo cantarolo quando as vozes são mais graves Lá embaixo, o sol é branco e na névoa serena os salsos parecem flutuar Espelho de...

Poema L, de Exílio

L O que no silêncio se forma - nada intumescendo a própria lacuna - é incubado pela sua premonição No indício do vislumbre a espera vazia do seu surgimento o irradia Quando o instante seguinte antecipe o presente e crie um lapso entre Sem o poeta, antes do poema . . . . . .

Tintim e Parafuso

O green de terra preta batida ressurge aos meus olhos no momento em que Tintim crava a bandeira no meio do campo e simula para a câmera no meu ombro o buraco do extinto 5. Caminhamos desde um tee imaginário por um fairway apagado pelo tempo, filmando o percurso original da Armour Course. Tintim e Parafuso dão a cacimba do 1 ou a castanheira do 7 por testemunha do que havia em torno e, em um piscar de olhos, a velha cancha fantasma passa pela paisagem. O bosque de eucaliptos volta ao coração do circuito e o parque de arborizados corredores que agora percorremos é somente várzea, pastagem. A parelha de mulas arrasta seis metros de lâminas rotativas e desenha o traçado que sobe, desce e contorna as coxilhas. Um jovenzinho espanhol, de sobrenome Gonzales, conduz o corte do platô superior onde será construído o Club house até o limite alagadiço do banhado do Arroio da Carolina. Houvesse por estas bandas algum pintor de paisagens e a cena estaria à óleo em uma das paredes da s...

Paisagem da janela

 Janela do apto. na Gustavo Sampaio. Leme, mil novecentos noventa e poucos. in Sexteto , de Henry Miller.

Notas sobre poesia

O poema deve expor o instante a quem o lê em vez de remeter ao instante em que foi escrito Para o poema todo poeta é póstumo Para a poesia recém-nascido Eu faço o poema e o poema faz o poeta O poema faz poetas A poesia não tem significado no poema Depois de cada poema um silêncio diverso O presente, com enfocá-lo, se faz remoto em um cenário A poesia é uma sensação do poema Meu fragmento paira ...  espectral ...  concreto ...  espectral Para forjar a si mesmo não há molde Antes e depois do poema a poesia é a mesma sem o poema Mímica de lábios A que nunca esteve, o que estando, se extravia A mutação da mesma imagem A aura escura do não dito ......  O ímã do silêncio Se tento outra voz me dubla Se calo sou só eu quem cala O poema é a paisagem contemplada e o modelo de si mesmo Dar-se a ver é desconhecer-se no olhar do outro Mas tudo já sabias desde o início O esquecer que sabias Justa...

O Estrangeiro

......................................... Meus amigos partiram em turnos, descrentes da espera. Resto só na boca da gruta. O Tritão gravado na cova, a melena de moluscos mortos, o mar extinto O pampa, a nós sem fim desde sempre, respiro em um pouco de ar Como se por anos a fio eu olhara esta paisagem nunca antes vista Um pássaro único, em rota eterna, descreve o arco do infinito A terra aberta Toda manto Imóvel à beira do fogo, onde os homens são antigos Em cada gesto reverência, em cada olhar adoração O lençol da calma desdobra as quatro bordas do campo que o verdor do campo venta Assisto ao ocaso dos séculos

Conversa com J. Secundino

.........................................                               Encontrei Thomaz Guilherme, meu amigo de infância , na arborizada casa onde mora e que pertenceu ao seu bisavô paterno, no centro de Sant' Ana do Livramento, entre os dias 14 e 21 de agosto de 2004. Gravei três sessões de entrevistas e as editei para a publicação comemorativa dos vinte anos de O Gato Viúvo, uma revista poética bilingue local criada por Thomaz no verão de 84. Thomaz Albornoz Neves vive hoje com Graciela , para quem escreveu os versos do seu primeiro livro, Renée , também no início dos anos 80. O casal tem dois filhos, quatro cachorros e duas gatas. I 14 de agosto de 2004 Sobre o que escreves? Já tive mais interesse em teorizar o que faço. Me custa construir um sistema fechado de pensamento sobre o que quer seja. Penso intuindo, em colage...

"Exílio. O poema quântico". por Juva Batella

Os poemas que compõem o grande poema que se lê em Exílio não são narrativos; funcionam, antes, como fragmentos, e não como etapas ou camadas. A poesia de Thomaz Albornoz Neves não é, portanto, do tipo retórica ou esparramada, e compõe-se num espaço textual tão conciso, que o leitor — não tendo para onde fazer correrem os olhos — deve permanecer onde está, com o olhar virado para si e tentando, dentro de si, encontrar, neste espaço privado, uma equivalência pessoal para o jogo de espelhos de outro espaço privado: o espaço do poeta, ou, antes, do olhar do poeta sobre o mundo, sobre o seu fazer poético e ainda sobre o seu próprio olhar acerca deste fazer. A poesia de Thomaz Albornoz Neves não é fácil de se ler às pressas. Lendo-a às pressas, ela nos escapa. Ler poesia, em geral, não é fácil. É, antes, um movimento que caminha contrário à automatização que se ganha com o tempo e com os tempos dedicados à leitura de prosa — este correr de olhos em que saltamos de uma palavra à outra, rec...