Junho, 30.
Há quem pense que torcer pelo seu país na Copa é um exercício de alienação. Que a seleção de 70 não deveria ter vencido por causa da ditadura, que a de 78 na Argentina foi usada para fortalecer o regime militar, que a de 2018 impede acompanhar a insidiosa manobra em favor dos agrotóxicos na Câmara, a oportunista insurreição da Segunda Turma contra as decisões do plenário no STF, o dólar a 4 e o Ciro Gomes namorando o DEM... Não acredito que Temer deixe de ser o que é se o Brasil encantar.
Há quem ignore a Copa do Mundo. Não eu. E muito mais que as partidas, desfruto das análises, bastidores e comentários oferecidos na mídia que não deixa escapar nada dos dramas pessoais e coletivos de cada jogo. Todo o pacote. Para mim, a melhor fase do torneio, não está na final. As oitavas e as quartas são as mais interessantes pelas alternativas ainda abertas e o futuro incerto, por tudo o que nos espera em cada duelo... A grande decisão, como todo o clímax, está perto demais do fim da festa.
A Argentina acaba de perder para a França. Torci muito para a Argentina. Por vários motivos: o impagável roteiro com Sampaoli fingindo dirigir na beira do campo, os melodramáticos programas esportivos portenhos, por ver como sofrem – e ninguém sofre, Maradona que o diga, como eles – e também pelo respeitável poderio africano do time francês. (Taco alto, o dos franceses.)
E vou torcer
para o Uruguai agora. O caos tático argentino valoriza a disciplina oriental. E
é como se a postura em campo de cada jogador uruguaio evidenciasse a falta de
empatia do Messi na derrota, a vaidade do Cristiano Ronaldo na vitória e a
malandragem mal desculpada pelo talento do Neymar. Mais ainda quando ouço o
Tite chamar o cameramen e naquele seu titês pernóstico defender
na cara de pau e com o dedo em riste a simulação dizendo: – Ancelotti, de técnico para técnico, foi
penalti! Me constranjo, por vergonha alheia (que é própria nossa). E, meio sem
perceber, associo à demagogia narcisista do nosso treinador a
Globo, a CBF e as siglas todas partidárias em um mesmo mal estar nacional.
Tudo junto e misturado.
Mesmo assim torço pelo Brasil, a quem só resta a competição. Por que, diante do que nos humaniza, o Uruguai já ganhou a Copa. Agora, nesta
altura do texto, Cavani abre o placar contra Portugal. Vão 7" do primeiro
tempo e eu dizia que o Uruguai é comovente. Seu técnico, o professor de escola
primária (daí o "Maestro") Oscar Tabarez, mostra que com
humildade, planejamento e conhecimento dos próprios recursos qualquer
um é capaz de inspirar realizando. Especialmente quando as limitações técnicas,
a carência individual da maior parte do elenco uruguaio é compensada por uma
entrega coletiva total dos jogadores. Não são um nunca, são todos sempre. Para
a bola, Uruguai tem Muslera, Godin, Suarez e Cavani. O resto são princípios.
Nunca é demais lembrar a mudança da mentalidade celeste com Tabarez. O mesmo
Uruguai que confundia entrevero, garra e violência, hoje lidera o fair play com
só um amarelo em quatro jogos.
Posso soar antiquado, não entender de torcer e
estar alienado do mundo pela Copa do Mundo. Mas o que o Uruguai transmite vai
muito além do futebol. São bons valores esses. Ao menos o Brasil os cultivasse
um pouco mais. Sofreríamos menos nas partidas. E na vida.
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