Por enquanto, estou satisfeito se posso escrever. Mais se escrevo na cama. Rodeado de livros e, se tenho sorte, regido pelo ritmo sereno de um cão ou de um gato, ou de ambos, sujeito ao ir e vir silencioso de quem me acompanhe. Escrevendo ou lendo desde cedo na manhã e até parte da tarde. E que no céu se veja pela janela alta o dia frio e o vento convide a permanecer dentro. Melhor se for um pequeno quarto de hotel, nem fora nem no centro, mais perto da costa que da cidade. E que o idioma local me deixe a sós com o meu próprio idioma. Mas não é o caso agora e aqui. É verão, Firenze está vazia de amigos e eu não tenho companhia. R. está com as irmãs, na Sicília. Restam os pelotões de turistas passando em baixo da minha janela atrás de um guarda-chuva vermelho, a bolha de murmúrios e depois novamente o silêncio. No final da tarde, vou correndo pelo Lungarno até o bosque da Universidade e jogo bola no time de estrangeiros contra os estudantes dos cursos de verão. O exercício serena o pensamento. Cozinho em casa, ao entardecer. Depois um pouco de fumo e uma cerveja gelada numa viela atrás do clube de Remo, a umas três curvas do Ponte Vecchio. Viver assim permite encontrar o ritmo de onde escrevo. Não lembro quando descobri a minha maneira. Sei que desde então meu único esforço é ser dono do meu tempo. E embora não tenha tido nunca em toda minha vida mais de cinco meses de sustento básico adiantados no bolso, ninguém jamais determinou o meu horário, me deu férias ou forçou a fazer a barba mais de uma vez por semana.
Tenho pouco dinheiro para comprar todos os livros que gostaria. Espero o momento. Geralmente quando estou mais vazio dos meus interesses práticos, mais receptivo para o mundo. Vou à tarde e em jejum. Me importa que o novo poeta potencialize meu próprio estado poético. Em cadeia. Que me faça escrever versos repentinos ou desenhar esboços, num só gesto de traço contínuo, nas primeiras páginas brancas do livro recém descoberto. Num só gesto suavemente expirado.