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Postagens em tempos de peste VII. Abril 2021


 



3 de abril

Um par de contradições

Os bolsonaristas acusam o STF de parcial e politizado à esquerda. Esquecem que por um voto a mesma casa caçou os direitos políticos de Lula e determinou a eleição de 2018.
A baixíssima média de contaminação no Exército e nas famílias dos militares revela que as medidas de prevenção tomadas para a caserna não são as mesmas implementas pelo General Pazzuelo como Ministro da Saúde para o país.
As Forças Armadas comemoram em Nota Oficial a data de 31 de março como o aniversário do “sic” "Movimento" em defesa da democracia são as mesmas que caçaram o direito ao voto, incendiaram (a UNE, lembram?), perseguiram, mataram e exilaram brasileiros.
São tão democráticas, as FA, que quando Bolsonaro sobrevoou as manifestações contra o STF em um helicóptero do Exército tinha do seu lado o General e então Ministro da Defesa, Azevedo e Silva, o mesmo que ao demitir-se escreveu ter preservado as FA como instituições do Estado.
Assunto não falta. São mais que um par. Mas encerro com as recentes denúncias de pedofilia a Michel Foucault que formadores de opinião bolsonaristas imediatamente associaram ao pensamento libertário da esquerda. Como se a pedofilia tivesse ideologia.
É Páscoa, indaguemos à igreja?


5 de abril

Lost in translation
Mas e as igrejas? O que importa mais para esses tradutores da língua de Deus? O dízimo ou a saúde do rebanho.
Afinal, o que o padrerio vai fazer sem cerimônia, rezar o dia inteiro?
Os cultos e missas são mais importantes que o distanciamento social em um país que vacina a passo de tartaruga?
Bom, pensando bem, o medo do contágio aproxima o rebanho do seu pastor, a morte sempre foi um baita argumento.
Vejam ao ponto em que chegamos.
A eleição de bolsonaro, apoiada pelos evangélicos, levou ao STF um ministro evangélico que em uma canetada abre os templos, terreiros, igrejas do país para...
Por outro lado, e pensando melhor, alguém tem que traduzir ao crente o que Deus quis dizer com o vírus, não é mesmo?
As pessoas estão morrendo. Em língua divina, padre, como se diz isso para que o pessoal entenda?


8 de abril

STF x Cultos e os leitos vazios dos hospitais militares
Estamos assistindo à disputa pela vaga de Marco Aurélio Mello. Augusto Aras (PGR) e André Mendonça (AGU) fazem campanha pela indicação de Bolsonaro. Leva quem for mais hipócrita à custa do contágio.
Não se trata de restringir a liberdade de religião, como distorcem ambos juristas, trata-se de evitar o contágio em um país que tem hoje 30% das mortes por Covid no mundo, tornou-se o maior incubador de variantes do vírus e tem mais de mil cidades a ponto de chegar no limite do estoque de oxigênio.
Enquanto as filas para as UTIs crescem, temos - pasmem - reserva de leitos para militares e seus familiares nos hospitais das Forças Armadas. Há unidades com 85% das vagas ociosas.
Hoje, só a vacinação em massa para conter o genocídio em curso. Um ano de epidemia com as relações exteriores nas mãos de um ogro incapaz de negociar um insumo e a saúde sem coordenação nos trouxeram até um Bolsonaro aplaudido em jantar com empresários ontem.
Eu não sei. Procuro uma lógica. Certo grau de comprometimento com o próximo. Mas só encontro política.

9 de abril

De que adianta ter razão?
Em 6 de junho de 2020, Bolsonaro veta a obrigatoriedade do uso de máscaras em presídios, igrejas, comércios e escolas.
Veta também cartazes informativos sobre o correto uso das máscaras e retira do projeto de lei o parágrafo que obrigava a distribuição gratuita de máscaras.
Dia 7 de junho, o Ministério deixa de informar o total de casos e de mortes por Covid-19. Em 9 de junho, o STF ordena ao governo Bolsonaro retomar a divulgação dos dados da epidemia.
Dia 22 de junho, Bolsonaro se isenta das mortes causadas pela pandemia. Culpa a autonomia dos Estados e Municípios.
Nega-se a planejar a vacinação.
Em 8 de julho, a Articulação de Povos Indígenas do Brasil ganha a causa em que acusa de omissão ao governo Bolsonaro. O Presidente havia - pasmem - retirado com uma canetada a obrigação do governo de fornecer água potável, higiene e leitos hospitalares aos índios.
O combate ao uso das máscaras e o desdém pela vida dos índios ilustram a mentalidade de um governo que trabalhou, sabe-se lá por quais motivos, contra as medidas de combate ao vírus. Minimizou a letalidade da doença em discursos políticos e difundiu a ideia de que quem trabalha para evitar o contágio está contra o país.
Hoje, enterramos nossos mortos. E não nos adianta de nada ter razão.
Duvido que a CPI da Covid no Senado faça justiça e impeça esse lunático de seguir no cargo. Mas torço muito para isso. Mesmo que venha o Mourão substituí-lo. Pior não pode ser.


11 de abril

Ego x empatia
Das relações entre a empatia com o ego a psicologia se ocupa. Eu não sei medir o quanto sentir com os outros tem a ver com o que sinto por mim mesmo. Reflito um pouco e percebo que pensar menos no que eu sinto ajuda.
Não que por isso se sinta menos. O fato é que não é usual perder cinco pessoas que fazem ou fizeram parte do nosso entorno em três dias. Não, não é.
Estou em regime de reclusão faz mais de ano. Saio pouco, menos que o necessário. Meu pátio virou infinito, meus tempos me pertencem mais, o silêncio também. Eu mesmo corto meu cabelo.
O trabalho nunca rendeu tanto. Além disso, fiz descobertas, algumas existenciais. Reaprendi coisas simples da infância. Por exemplo, que para estar bem basta ficar quieto, sem muito elucubrar.
Percebi também que não dar bola para si (mais ou menos como diminuir o ego) aumenta a empatia. Não sei se a psicologia tem algum tratado sobre isso. Deve ter, claro. São palavras novas para o muito antigo.


13 de abril

Sobre o teatro da polarização
Faz anos já que se escreve contra a polarização. Acusamos, desde o "mensalão" a esquerda de ter sequestrado o Estado brasileiro.
Bolsonaro elegeu-se com o discurso "contra tudo isso que tá aí", referindo-se a troca do patrimônio público por apoio político.
Até que amagou. E depois de fracassar em compor uma frente administrativa com identidade partidária, ameaçou o Congresso com as Forças Armadas para sentar no mesmo colo quentinho que Dilma sentou, o de Waldemar da Costa Neto.
Meu ponto é que importa menos (em termos, mantenham a perspectiva do contexto, por favor) ser governado pela direita ou pela esquerda se ambos acabam sendo controlados pelo Centrão.
Quero dizer, percebam, não há, na prática, polarização. Há só a mesma hegemonia gris governando o Brasil desde o início da Nova República. Isto para ficar no presente.
Que o verniz do PT seja humanitário, inclusivo, auto-sustentável e o da direita atual (nem nome tem) fascista, primitiva e reacionária, é indiferente para quem realmente desmanda no país.
A polarização, meus amigos, serve antes ao fisiologismo. Essa massa amorfa e autofágica a serviço do dinheiro escondida pelo barulho do teatro ideológico. A questão que se coloca é como o Brasil pode enfrentar Lula, o centrão e Bolsonaro em 2022?
A questão que se coloca é não ver como.


14 de abril

Antonio Porchia, meus amigos, Antonio Porchia.
Devemos concordar com a compra da vacina por empresas particulares? O Congresso brasileiro disse que sim.
Devemos vacinar antes os jogadores de futebol da Copa América? O presidente da Comebol agradece a mediação do presidente uruguaio Lacalle Pou pela compra de 50 mil doses para os atletas e ... quem mais?
Devemos vacinar antes os atletas que competirão a Olimpíada?
Devemos... Ter vergonha de escolher quem vacinar?
Nunca é demais lembrar alguns aforismos do gênio ítalo-argentino, o humanista Antonio Porchia:
* Temos um mundo para cada um, mas não temos um mundo para todos.
* Em uma alma cheia cabe tudo, em uma alma vazia não cabe nada.
* Mais chorar do que chorar é ver chorar.
* Quando tua dor é um pouco maior que a minha, me sinto um pouco cruel.
* Alguns, adiantando-se a todos, vão ganhando o deserto.
* A confissão de um humilha a todos.


17 de abril

I
Sobre reeducação democrática
Nos acostumamos nos anos recentes a pensar sobre os políticos. Raramente pensamos sobre os eleitores.
Para Rousseau, os interesses de cada um não devem estar antes dos interesses de todos. Essa talvez seja uma das razões pelas quais os conservadores, que colocam os interesses individuais acima do grupo, fazem vista grossa ao Jean Jacques. Preferem o animal do Burke.
Mas voltando às nossas favas, digo, a polarização que vivemos hoje restringe nossas opções lá onde elas deveriam ser irrestritas. No pensamento.
Uma das consequências mais perversas do nosso sistema representativo misto é limitar nossa imaginação política. Que é o mesmo que limitar nossa responsabilidade. É como se não fosse conosco. Voto diferente da próxima vez.
Não, não é bem assim. A responsabilidade do que nos acontece hoje é nossa. Petistas devem entender que sem a corrupção nunca teríamos eleito Bolsonaro. E bolsonaristas devem entender ser a omissão deles hoje que permite o prosseguimento de uma gestão sanitária criminosa.
Talvez uma das maneiras de reeducação democrática esteja no foco. Não devemos responsabilizar os políticos antes. É do eleitor, quietinho, omisso, covarde, a responsabilidade.

II
O estudo do Mal
A ponerologia - do grego poneros (maldade) - é um termo cunhado pelo psiquiatra Andreij Lobaczewski. Seu livro Ponerologia política (Uma ciência sobre a natureza do mal ajustada para fins políticos) escrito sob a repressão comunista na Polônia, analisa como os psicopatas influenciam no avanço da injustiça social e sobre como tomam o poder.
A ponerologia estuda as causas dos períodos de injustiça social onde o psicopata é fator essencial para abordar fenômenos como o genocídio. Entre as características de tais períodos estão:
Ideologia fanática; muitas vezes uma forma corrompida de uma ideologia válida viável que é pervertida em uma forma patológica, tendo pouca semelhança com a substância do original.
Intolerância e suspeita de qualquer um que é diferente, ou que não concorda com o estado.
Atividades secretas dentro do governo, e vigilância da população em geral.
Governo paranóico.
Utilização endêmica de raciocínio psicológico corrompido como paramoralismos, pensamentos deturpados e linguagem evasiva e ambígua.
Governo pela força ou medo da força
As pessoas são consideradas como um "recurso" a ser explorado (daí o termo "recursos humanos"), e não como indivíduos com valor humano intrínseco.
Vida espiritual é restrita a inflexível e esquemas de doutrinação.
Qualquer pessoa que tentar ir além desses limites é considerada herege ou insana, e, portanto, perigosa.
Divisões arbitrárias da população (classe, etnia, credo) são inflamadas em conflito umas com as outras.
Lobaczewski revela com seus estudos, que as pessoas que perderam a capacidade de raciocínio lógico (e, portanto, a capacidade de distinguir a verdade da mentira) são mais inclinadas a aceitar a lógica e a moral dos psicopatas.
Qualquer semelhança com a nossa realidade atual não é mera coincidência.

III
Sobre a "banalidade do mal"
A indiferença do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, do seu governo e de seus apoiadores com as vítimas da epidemia trazem Hanna Arendt e seu "Eichmann em Jerusalém" para o centro do debate.
Eichmann era responsável pela logística do transporte de prisioneiros para os campos de concentração nazistas na Segunda Guerra. O alemão via sua função com normalidade. Cumpria ordens com diligência, frieza e indiferença. Essa incapacidade de sentir compaixão pelo outro está na origem da brutalidade.
O processo é simples. Retira-se de um grupo de indivíduos (hoje seriam os infectados) a sua humanidade. A morte torna-se tão comum que provoca indiferença. Todo um povo, ou uma parte dele (os bolsonaristas), com o mesmo pensamento de cumprir o seu dever de apoiar o líder permite-se repetir o discurso negativista em relação ao vírus que causaria a morte de milhares de pessoas.
Quando o mal é algo trivial, as mais terríveis atrocidades podem ser, ensina Hanna Arendt, cometidas com o apoio de pessoas correntes. Como repetir em um cartaz que o remédio (ivermectina, zinco, hidroxicloroquina) inócuo cura. Ou confundir combater uma epidemia com opor-se a um governo.
O mal não tem origem na natureza, é histórico. Quando atinge grupos sociais ou o Estado, é produzido pelos homens e se manifesta em razão de uma escolha política.


18 de abril

Sobre alguns comentários a um post recente.
Pessoas com as quais concordo discutem o limite da tolerância. Até que ponto alguém pode conversar com um bolsonarista?
No caso do post "A banalidade do mal", aponto o perigo do cidadão comum, pacífico e de boa vontade ser cúmplice involuntário de genocídio.
O post tem a pretensão (sem ilusão alguma, claro está) de argumentar com aqueles que ainda apoiam Bolsonaro. Tenta mostrar que a posição em que eles estão hoje, os italianos fascistas, os russos stalinistas, os espanhóis franquistas, os portugueses salazaristas, estiveram e dá o ensaio de Arendt como exemplo do que também aconteceu na Alemanha com os alemães correntes.
O ensaio é magistral e foi escrito durante a cobertura do julgamento de Eichmann para a revista The New Yorker. Arendt aponta, inclusive, que a indiferença atingiu também os líderes das comunidades judaicas que eram muitas vezes incumbidos de escolher quais judeus deveriam ser poupados do extermínio.
Ninguém retratou melhor a angústia da década de 30 na Alemanha que Ingmar Bergmann em O ovo da serpente (Das Schlangenei). Parece que Bergmann tinha o poder de soprar a alma - a sua alma - no ator e transformá-lo em personagem. O que ele fez com David Carradine está na dimensão do exorcismo.
Eu me pergunto de que adianta ficar pensando sozinho. Ter lido tantos livros, passado a vida tentando escrever poesia, dedicado exclusivamente a um projeto pessoal? Muito pouco.
Hoje tento fazer política no mural do facebook. O que trago a público, tantas dúvidas, me ensina a olhar para o que escrevo através dos olhos de quem me lê. Aprendo.
Quem sabe se há quem aprenda também do outro lado da tela...


20 de abril

Contra o dinheiro não há argumento.
Estamos assistindo - aqueles que se interessam por futebol - uma investida do Mercado sobre o futebol europeu. A criação de uma superliga com os 15 maiores times do continente mira o consumidor mundial e relega o torcedor de origem à sua importância percentual.
De uma hora para a outra Napoli, Roma, Sevilha, Shaktar, PSG, Porto, Celtic, Benfica, Olimpique, Galatasaray, Bayern, Borussia, Ajax, Spartak mais que rebaixados são excluídos, como se inexistentes fossem. E com eles, os demais.
A lógica é comercial e atinge a estrutura piramidal da FIFA - desde as divisões locais até as seleções nacionais - e dá a ver com uma clareza inédita um dos aspectos mais perversos da globalização. Não é todo o dia que se assiste ao vivo uma ameaça às elites de um esporte como o futebol nessa escala.
Contra o dinheiro não há argumento.
A mensagem "só sobrevive o lucro" traz, implicitamente, uma falsa inevitabilidade. Essa ideia de progresso infinito a qualquer custo. Nada é inevitável, como veremos neste embate entre a cultura e o capital.


21 de abril

Futebol e Amazônia
Estamos tendo a rara oportunidade de assistir o poder no lugar onde ele realmente está. O poder que o cidadão comum, o indivíduo, é constantemente levado a crer que não tem.
Vejam o que, em 48 horas, as pessoas correntes, os torcedores alcançaram. Foi o menino com a bandeira do seu clube quem resistiu as investidas dos bilionários americanos, aliados aos cartolas dos mais ricos clubes europeus, contra a estrutura do futebol mundial.
O timming é perfeito. Pandemia, estádios vazios, queda de receita dos menores. É próprio da cultura capitalista avançar com a crise.
Manifestações não precisam ser feitas por vândalos para terem peso. Movimentos que expressam a paixão popular em favor de algo são - estamos testemunhando - diferentes.
Esta foi uma reação espontânea e pulverizada contra uma ameaça. Um movimento de proteção ao que é querido, não contra "tudo isso que está aí".
Movimentos assim tem força para defender tudo, um índio, um mico-leão, até uma floresta do tamanho da Amazônia.


22 de abril

Seiscentos dezoito dias, doze horas...
O mesmo Bolsonaro que dias atrás demitiu o chefe da policial federal no Amazonas, responsável por apreender a maior carga de madeira ilegal da história e que enfrenta neste exato momento uma greve inédita dos fiscais do Ibama em protesto contra as medidas de relaxamento do controle do desmatamento, anuncia metas ecológicas na Cúpula Global.
Com Trump, o aquecimento global era um complô marxista de domínio planetário. Sem Trump, passa a ser realidade.
O tema nunca foi não explorar a Amazônia. Trata-se de não destruir a Amazônia. A visão, como em qualquer tema que o bolsonarismo foca, é primitiva. Ao contrário de investir no desenvolvimento autossustentável do maior ecossistema que restou ao mundo, investe-se em um avanço predatório.
Há tantas evidências que seria inútil elencá-las. Basta com citar que uma das primeiras medidas do governo foi demitir Galvão e controlar o INPE, órgão responsável pelo monitoramento satelital do desmate.
A nós resta torcer que a ineficiência bolsonarista atinja também a capacidade destruir. A eles restam 618 dias, 12 horas, 41 minutos e 4 segundos de existência.
Sem contar a CPI.


24 de abril

Duas respostas a uma prima querida sobre o Manifesto dos Despolarizados.
Diz ela:
É bom se apressar e apresentar um candidato. Na última pesquisa do Poder360 mostra que apenas 13% não votariam nem no atual, nem no ex-presidente. Há anos as eleições são polarizadas entre PSDB X PT, então a polarização não me surpreende.
Resposta:
A polarização que o grupo se refere diz respeito aos dois polos populistas que, de tão antagônicos em alguns pontos se refletem. Não estou equiparando o Bolsonaro com o Lula. Mas há semelhanças. Por exemplo: os seguidores de ambos estigmatizam quem não concorda com eles, são fascistas para os lulistas e comunistas para os bolsonaristas. Ambos não sobrevivem uma eleição sem o outro. Para Bolsonaro ter a mínima chance de reeleição precisa ameaçar o país com a volta do Lula e Lula, para voltar, deve ser também a única alternativa para evitar a calamidade da reeleição. Ambos são populistas, isto é, navegam na onda messiânica, sinal do grau de imaturidade do nosso eleitor. Ambos são mártires. Um pela facada, o outro pelo Moro. Ambos governaram no colo do Centrão mais fisiológico do Congresso, ao ponto de o primeiro ter comprado parlamentares com dinheiro sujo e o segundo seguir com o mesmo Waldemar da Costa Neto de Dilma. É fato, entretanto que não há comparação pessoal entre Lula e Bolsonaro e que, eu pessoalmente voltaria a votar no Lula caso fosse obrigado escolher.
PT e PSDB nunca foram polarizados. Ambos são partidos de centro-esquerda, ambos envolvidos em pesadas denúncias de corrupção, ambos indefensáveis nesse quesito. Porque só os petistas foram processados é algo que todos gostaríamos de entender. Como Alckmin, Perrela, Aécio e Serra não foram presos? Como Temer não caiu quando foi gravado pelo Batista? Furnas, Rodoanel, Portos, Reeleição e Privataria... you name it.
Nunca é demais lembrar que Lula fez um governo liberal e alinhado com o sistema financeiro. E que nunca neste país houve tanta inclusão, proteção ecológica e investimento na educação quanto no seu governo. Perto do atual, é o paraíso.
Não podemos esquecer, porém, que foram as decisões de Lula que levaram a Dilma e seu desastre. E que Lula, ao contrário de compor uma frente ampla de esquerda para enfrentar Bolsonaro preferiu apostar o Brasil na rejeição ao fascismo sem contar que a rejeição ao seu partido seria ainda maior. Talvez Bolsonaro não chegue nem ao segundo turno. Nesse caso, a opção teria alguma chance contra Lula. Bom, e que não seja o Mandeta, o Amoedo, o Dória, o Huck nem o Moro.
Diz ela:
Sim, entendo tudo o que escreves, mas o que não vejo é esse nome, que não seja populista, nos quadros da política brasileira para ser uma alternativa à polarização. Enquanto discurso, tudo certo, mas é preciso mostrar as armas de Jorge para ter uma terceira via, não achas? Caso contrário, chegaremos em outubro de 2022 dizendo que a eleição vai ser polarizada. Mas é possível que algum dos dois candidatos tropece ou os dois.
Resposta:
Sim. Dizer que é polarizada, tentar conversar sobre porquê é um começo. Eu nunca faço campanha aberta para ninguém, tirando o Calico. Prefiro comentar o panorama. É claro que o candidato alternativo é hoje menor que os dois manipuladores das "narrativas". Na sombra do Lula só cresce o seu eco, nunca ninguém com voz própria. Haddad, é um exemplo claro de inibição.
Porque Jaques Wagner, Tarso Genro, Flávio Dino, Roberto Freire não têm maior relevância nacional? É simples, por luz própria em demasia. Quando digo despolarizar não estou implodindo a esquerda, mas tentando reconstruí-la. Enquanto Lula e Bolsonaro monopolizarem o cenário, a oposição se resumirá a chantagem atual, cargos e dinheiro x blindagem.
Temos muitos políticos interessantes. Compara o perfil da Benedita, Gleisie e Lindberg, com Tábata do Amaral e Randolfe Rodrigues. A diferença entre eles permite perceber o que deve deixar de ser e o que será. E nota que não incluo Manuela D'Ávila e Marília Arraes que de juventude só têm a idade, o discurso ali é mais estereotipado que o do Boulos.
Estou muito à esquerda? Bom, não consigo pensar no Huck e Dória como alternativas sérias e Mandetta, bom, Mandetta foi ministro de Bolsonaro... Jarbas Vasconcelos, Aires Brito e mesmo o perseguido, massacrado pelos petistas, Cristovão Buarque, sim. Já a Marina, coitada, outra vítima do PT, depois que virou evangélica, perdeu uma identidade até então admirável. Não somos pobres, temos muito. É só pensar com liberdade.
Ciro Gomes é o maior exemplo. Tornou-se execrável por ter a ousadia de opor-se a Lula. Era o candidato natural da esquerda para enfrentar Bolsonaro em 2018. O PT preferiu apostar na timidez balbuciante de um ventríloquo defendendo o indefensável. Talvez ainda seja, não sei. Não se pode dizer que um coronel machão, arrogante, despetivo e agressivo seja simpático. Vamos ver o que o João Santana, marqueteiro responsável pelas calúnias a Marina e condenado por lavagem de dinheiro pode fazer com ele. Vai ter que ser aquela poção encantada que fez as pessoas pensarem que a Dilma é inteligente.


27 de abril

Solidões
“Quando eu nasci, a primeira coisa que eu perdi foi o medo. Então, essa conversa de poder ser demitido, eu entrei para a polícia com o risco da própria vida, que dirá do emprego. Que tipo de policial é o senhor que tem medo de perder o emprego?”.
Resposta do Delegado Alexandre Saraiva que denunciou o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, por atuar em favor dos madeireiros, ao ser acusado de arrogância e prepotência pelo deputado da base do governo Sanderson (PSL/RS), também policial federal.
Atacar o indivíduo com o peso do grupo, é um ato de covardia. Acontece todo o dia, em todas as esferas da sociedade. Muito em função dos temperamentos.
Há aqueles que preferem ir pelo mundo com a couraça de um princípio, acompanhados por alguma certeza. E aqueles que se reúnem e vão também pelo mundo, acompanhados uns dos outros, a solidão de um sumindo na solidão do outro.
Mais sozinhos que o sozinho.


29 de abril

Fatos e argumentos.
Escrever é uma forma de pôr ideias em ordem. Muitas vezes, o próprio texto nos surpreende dizendo algo não pretendido de antemão, quase como se as palavras formassem pensamentos. Daí vem a sensação de estar limitado pela linguagem para dizer aquilo antes intuído sem as palavras.
São os fatos que melhor delimitam o assunto e nos permitem conversar sobre algo mais ou menos concreto. Digo mais ou menos porque o próprio conceito de fato pode ser relativizado, mas não vou entrar nisso agora.
Apesar da digressão, a intenção era escrever sobre o Orçamento. Porque o destino do dinheiro é o melhor retrato de quem nos governa. É fato e se é fato não há argumento, dizem. Assim, por exemplo:
O Ministério do Meio Ambiente terá o menor orçamento em 20 anos. A Defesa receberá 5,7 bilhões a mais que a Educação. O MEC teve o maior bloqueio entre todos os ministérios (2,7 bi).
Mas o diabo mora nos detalhes. Vejamos alguns, ao acaso. Não há no Orçamento previsão para a renovação do auxílio emergencial, a agricultura familiar (Pronaf) foi cortada em 1,35 bi, o Censo foi em 2 bi e o acesso ao crédito pelas pequenas empresas retirado...
Dos 49 bilhões aprovados em emendas parlamentares, 30 bi são de caráter não obrigatório, quer dizer, é dinheiro negociado pelos congressistas que vai pulverizado aos nichos eleitorais para garantir seu voto, eleitor, no futuro.
Há muito mais, mas o melhor aqui é ser breve. No mesmo dia em que a peça orçamentaria foi sancionada por Bolsonaro, Guedes, seu ministro da Economia, é gravado em reunião se queixando que o povo vive tempo demais para o bolso do Estado.

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