Porto Alegre, 29 de agosto de 2020
Uma vez, um jornalista tentou encurralar um poeta numa entrevista.
Perguntou: “Afinal, por que escreves?”. E o poeta respondeu, para
desconcerto do jornalista: “Escrevo para ser feliz”.
Não sabemos o que é mais relevante: a pergunta ou a resposta, e podemos
fazer conjecturas filosóficas diversas. Sabemos da importância de
questionar, base da filosofia e de tantas áreas, e das respostas de cada um.
Vasculhas compreensão quando especulas: “Por que se escreve?”.
Todos nós, poetas, procuramos atingir a poesia. Nem sempre conseguimos,
mas é uma busca permanente. Consegues, com frequência, atingir a poesia,
e isso é algo muito significativo, faz muita diferença.
Tua poesia tem rosto, numa época em que há tanta poesia sem rosto na
onda contemporânea. Tua poesia tem timbre, tem um estilo.
“À Espera de Um Igual” é um belo livro, contém a essência de uma vida.
Percebe-se o esmerado fazer poético, os versos trabalhados com rigor. O
livro todo tem qualidade, e há um diferencial, que se chama “No Capuz do
Olhar”.
As memórias constantes em “No Capuz do Olhar” são tão significativas
que redimensionam a atenção dedicada aos livros anteriores. Mesmo nos
poemas que se estendem para a prosa, dando mais metragem ao ritmo,
manténs o timbre, uma identidade na escrita.
Permito-me discordar em um ponto do poeta uruguaio Rafael Courtoisie,
que escreveu o Prólogo. Talvez ele tenha, na bagagem, leituras robustas
que lhe possibilitem fazer aproximações, mas não vejo intertextualidade em
“No Capuz do Olhar”, vejo uma voz própria, peculiar.
Alguns poemas da fase inicial que escreveste em estado de crueza da
sensibilidade foram aprimorados, certamente para torná-los mais exatos ao
pensamento e à matriz da percepção e da vivência que lhes deu origem. A
correspondência entre viver, pensar e o texto materializado, colocado no
papel, são tema sobre o qual te debruças.
Nos versos de “À Espera de Um Igual”, que abarcam tua obra de 1985 a
2018, verbalizas referências à mulher amada, verbalizas o pendor para a
configuração das imagens, a construção muitas vezes sintética, a
aproximação do campo e do mar, espaços de tua estada e trajetória.
Em teu trabalho, há também poemas breves, que se poderiam definir como
parte, e alguns analistas chamariam de fragmentos, contudo prefiro vê-los
como poemas concentrados em seu tempo; há, nas páginas apresentadas, o
estuário de reflexões, andanças, o situar-se nas questões da existência.
Teces a inquieta reflexão quanto à relação poeta-poema-poesia. De maneira
aberta, explanas tua relação com o texto: como vês, como sentes, como
acreditas que se dá o processo construtivo de tuas laudas.
Eu poderia citar muitos poemas ou trechos do livro, mas seria injusto com
os versos que não iriam figurar, igualmente merecedores de serem
apresentados nestas considerações.
Escrever é algo que realizas com êxito. Fazes bem porque gostas, ou gostas
porque fazes bem? Acho as duas frases verdadeiras. E, em teu caso,
certamente adequadas, é uma questão de dom inerente, independente do
pensar a respeito disso.
Teus poemas estão alicerçados em experiências e leituras que chancelam
uma visão de mundo ao qual te lanças como caçador do entendimento das
coisas e do ato de escrever.
Não deixaste de ser poeta aos 33 anos como dizes no livro. Estás em plena
capacidade poética.
Para concluir, digo que a arte é prazer estético. A arte é maravilhosa,
exercê-la é um privilégio.
Prezado Thomaz: mesmo que estejamos a 500 km de distância, cumprimos a travessia dos caminhos estando acompanhados no pensamento. Temos uma trajetória tantas vezes compartilhada.
Um abraço do amigo
Ricardo Almeida
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Sant'Ana do Livramento, 30 de agosto de 2020
Querido amigo
Fiz a apresentação do teu primeiro livro no Salão Nobre da Prefeitura, escrevi a orelha de "A semântica da pétala" e acompanho teu trabalho faz já quanto? Trinta anos? Ainda espero publicar a reunião ou a antologia dos teus poemas aqui na TAN ed. Agradeço muito o tempo que tiraste para ler e escrever as considerações para "À espera de um igual". Tu sabes que o que recebemos de verdade são essas respostas, essa atenção como a que acabaste de dar.
Concordo com a tua leitura em muitos pontos. Os elogios os aceito, contente de ter conseguido transmitir algo do que pretendia. Também relativizo alguns pontos do Rafael sobre o livro, em especial no começo quando elenca as influências brasileiras. Não tenho nenhuma afinidade com Gullar e os Campos, mas enfim... São associações que ele faz com a bagagem que ele tem do Brasil. Sobre a intertextualidade de "No capuz", ele se refere às menções aos poetas e versos que faço em alguns poemas. Rafael Courtoisie é um dos maiores poetas uruguaios contemporâneos e é um privilégio ter o seu olhar sobre o meu trabalho. A panela literária brasileira me provoca enorme resistência. Faz patrulha, é provinciana e centralizadora, salvo algumas isoladas exceções. E me senti muito à vontade em ter alguém em espanhol lendo meu português. Há um distanciamento ali que me parece extremamente saudável. Além de fechar com a minha posição humanista de fundir fronteiras em uma única cultura feita de todas as culturas. Utopia hoje, certamente. Mas se como leitor sou universal, nada mais normal aspirar sê-lo também como autor.
Em relação a "não ser mais poeta", aquilo lá é uma provocação que no fundo traz a verdade de que deixei de andar pelo mundo como poeta, indo à festivais, trabalhando no meio literário como havia feito até então. Escrevo e é só. É claro que sei que isso de ser artista é um personagem criado pela arte que se faz. Mas eu, o TG, o Thomaz Guilherme, não tenho nada que ver com esse avatar e não tenho intenção alguma de ir publicamente por aí com ele. E isso é algo que aponto e critico no "Capuz".
Escreve-se pela poesia. Ponto. Acertaste ali. É isso. Sobre a reescritura de Renée, tens razão. Vê, eu não tenho com o que escrevo nenhum compromisso de fidelidade. Se eu posso melhorar o poema hoje, ou apagá-lo e fazer com o seu magma, com a sua inspiração, o seu mote, outra coisa melhor, farei. E foi o que fiz com o "Renée". É o mesmo livro do início da década de 80, só que com palavras diferentes.
Todas as respostas, ou quase todas, estão no "À espera", quero dizer se escrevo para ser feliz ou se sou feliz porque escrevo, diz lá no poema 3 de "No capuz" que se escrevo tenho a impressão de viver em dobro. É isso, é intensidade e exploração.
Espero seguir compartilhando o caminho contigo. Nossa amizade é daquelas de toda a vida, muito obrigado um forte abraço.
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