Leio no noticiário e nos murais as "narrativas" e "versões" que tornam o mesmo fato, fatos divergentes. E lembro ter aprendido nas aulas da caríssima Heidrun (e cito por afeto, não por pedantismo) lendo Harro Muller, Gebhard Rush e, claro, Niklas Luhmann que sem consenso sobre o que é verdade, a verdade não existe.
Consenso... ok. Sobra consenso quando o articulista linca a Lava-jato com o soft power ianque (leia-se gramscismo de direita) e culpa a força-tarefa de Curitiba pelo prejuízo bilionário da Petrobras e, pasmem, da Odebrecht.
Um polo inteiro compartilhou a matéria do Kennedy Alencar no UOL justamente porque o que ele diz é o que seus leitores querem ler, não porque é verdade. Ele diz em um incrível esforço de desonestidade: "Lava Jato é exemplo de "soft power" a favor dos EUA contra Brasil".
Há consenso, ok. Mas falta outro elemento que os teóricos alemães exigem para definir o que é a verdade: a plausibilidade. E não é plausível que a justiça seja culpada pela corrupção que combate.
Por outro lado, outro amigo, este bolsonarista, posta o vídeo "A esquerda não defende os negros", do pastor Rodrigo Mocellin. Sem entrar no mérito do ridículo da manchete, se para dirigir a Fundação Palmares Bolsonaro encontrou um negro que nega o racismo brasileiro e este amigo insiste em divulgar o mesmo, podemos entender que há também aqui consenso (entre os bolsonaristas).
Mas não é plausível que diante de uma realidade onde índios, pardos caboclos e afrodescendentes são a maioria entre os miseráveis se afirme a ausência de preconceito por parte desta sociedade que nunca acertou as contas com o seu passado escravocrata. Interpretações não podem negar os fatos. Da mesma forma, não há fanatismo com poder argumentativo suficiente para convencer que a Lava-jato prejudicou o Brasil por ter atingido o coração da Odebrecht e da Petrobrás.
Que um bando de radicais de lado a lado repita à exaustão a sua barbaridade não a torna menos absurda. De tantos desafios a serem enfrentados hoje, o banal estabelecimento do que é verdade é o maior deles. E para isso possuímos apenas o bom senso, o consenso e a plausibilidade diante da análise dos fatos. Já que a notícia falsa tem até nome em inglês para naturalizar-se e a verdade ganhou um "pós" para ser relativizada.
6 de julho
Lula "o estrategista"
I
No caos sobra ironia.
Uma das tantas foi apontada pelo Desembargador Leandro Paulsen da 8ª turma do TRF da 4ª região indeferindo a apelação à decisão de Moro e aumentando a pena de Lula. Disse Paulsen:
"Agora vemos um presidente se deparar com as acusações baseadas em leis que sobrevieram durante os governos de seu partido. Mas a lei é para todos."
Nenhum Partido lutou mais contra a corrupção que o PT. Na oposição e na situação. Para se ter uma ideia do combate à corrupção antes do PT no governo basta lembrar que o engavetador-geral da República, Geraldo Brindeiro, recusou 450 dos mais de 600 inquéritos criminais que recebeu, inclusive o de compra de votos para aprovação da emenda constitucional que aprovou a reeleição (que FHC tenha sido reeleito diz mais sobre a tolerância à corrupção do PSDB por parte do nosso povo que mil tratados).
Pois bem, se é certo que em 2001 FHC criou a Corregedoria Geral da União, foi no primeiro ano de Lula que virou Controladoria e ganhou status de ministério passando a ter a competência não só de detectar casos de corrupção, mas de antecipar-se a eles.
No ano seguinte, o PT implantou o Portal da Transparência para permitir o acompanhamento do percurso do dinheiro público e criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público que constituem mecanismos do controle externo da administração da justiça.
Em 2010 Lula sancionou a Lei da Ficha Limpa, a mesma que o tornaria inelegível. E em 2011, 12 e 13 sob Dilma foram implementadas as leis do Acesso à Informação, da Lavagem e a Anti-corrupção.
(Para termos noção da decadência do Partido, vemos hoje o PT defender com outros no Congresso um projeto que traz a irretroatividade da prisão em Segunda Instância.)
II
O complexo de invulnerabilidade de Lula o expôs ao mecanismo legal que sua política criou. Essa mesma arrogância o levou a barrar um substituto à altura da Presidência e a escolher Rousseff para o seu lugar.
Quando lembro de Dilma Rousseff me pergunto se a forma do seu português reflete o seu pensamento e tenho cãimbras. Penso também no PMDB.
Como é possível insistir em golpe, quando um governo se coloca cego e por vontade própria nas mãos de alguém como Eduardo Cunha confiando que na posição de Presidente do Congresso ele pautaria de acordo com os interesses da coalizão?
Temer, esse sim um astro, e Cunha, seu boi de piranha, minaram as bases de apoio a Dilma na Câmara durante meses. Então Cunha pautou o Impeachment pelas pedaladas, uma prática usual em todos os governos precedentes. A mídia distorceu, o povo apoiou e a quebra institucional trincou o frágil, fragílissimo equlíbrio democrático deste circo que é o Brasil.
Se Lula fosse esse Ás teria previsto... mas não, não é. Da cadeia dobrou a aposta, perdeu e nós ganhamos o Bolsonaro. Como estrategista Lula não ata o cordão do sapato do irmão metralha. É isso, ou estou inventando?
7 de julho
Sobre escrever no facebook
Venho escrevendo com regularidade aqui por várias razões. A principal delas é que escrever me educa. Faz com que as sensações, opiniões e sentimentos difusos procurem - muitas vezes sem encontrar - palavras que os expressem. Este processo é importante para mim, porque quando eu me leio posso ter uma ideia mais clara da minha ignorância.
A plataforma permite também que eu receba as reações de forma imediata, o que é útil para medir o texto, seu tom e seu alcance. As opiniões recebidas animam a interminável reflexão sobre o que digo e alimentam a autocrítica, que é a mãe do processo criativo; o "será que é assim mesmo?" que toda posição deve ter em relação a si mesma.
Além disso, a mídia social oferece mundos. Faz com que visitemos o que está por trás da posição das pessoas que comentam as postagens, quem elas são, qual a história dos seus pensamentos, como se arranjam e se desarrajam as suas identidades de acordo com os acontecimentos dos dias.
O privado vira público e se distorce, seja no meu caso que ao escrever me exponho de uma maneira particular, diferente da exposição literária, seja no caso de quem reage aos textos. As formas que essas reações tomam são um riquíssimo capítulo à parte que pode estimular ou inibir a próxima crônica.
Descobri que a gentileza é a arma mais eficaz para manter o trato na rede social. Depois de um tempo percebi também que ter sempre a última resposta nos isola e que é inteligente abrir para o interlocutor portas de saída. Diante de um universo tão competitivo, fazer da conversa algo sem vitoriosos pode ser uma atitude revolucionária.
Escrever sobre o nosso cotidiano me levou a perceber o quanto devo ler sobre filosofia política, ciências sociais, e economia. Campos até pouco tempo distantes do meu interesse. E isso é estimulante.
Venho postando sobre o encadeamento de acontecimentos que nos conduziu até esta tragédia (anunciada) que é o governo do Bolsonaro. Essas crônicas foram lidas como antipetistas. Não são. Vou seguir tentando entender os motivos e tentando escrever com objetividade sobre eles. Até a próxima.
8 de julho
A respeito do antipetismo
Ao responsabilizar Lula e o PT pela ascenção do nacionalismo populista que elegeu Bolsonaro, sou acusado de odiar o Partido dos Trabalhadores. Importa nada afirmar que os governos de Lula foram no final de todas as contas os melhores que o Brasil já teve, pelo menos durante o meu tempo de vida.
Foram melhores em inclusão social, em ecologia, em educação, em saúde e, fundamentalmente, em humanismo, do que qualquer dos governos da Nova República. É verdade que não precisava muito, diante do anterior.
É em relação a esse êxito e ao que ele deveria ter promovido que hoje medimos o fracasso de Dilma Rousseff, seu impedimento e a prisão de Lula. Pensamos... havia uma chance, o cara domou o cavalo, montou no cavalo, caiu do cavalo e ele se foi encilhado.
E o que faz o PT? Vítima do combate à corrupção, vítima do golpe parlamentar, vítima das conspirações promovidas pelos EUA, pela mídia e pelo stablishment. Sabem o que faz? Renova o mandato da Comissão Executiva Nacional, com Gleise Hoffmann e sua ladaínha de redemoinho, a mesma faz cinco anos.
Enquanto isso o Consórcio do Nordeste oferece uma alternativa real ao lulismo. São nove governadores nordestinos unidos em torno de um projeto comum: consolidar um novo polo de poder na esquerda contra as políticas do Bolsonaro.
Já eu, sigo esperando que um partido ambientalista surja e lidere a entrada do Brasil no séc. XXI. Um Brasil mais horizontal e moderado, menos ladeira abaixo. Um Brasil natural.
Não é muito por utopia.
9 de julho
Generalizações sobre a direita
Para entender a mentalidade liberal, não preciso ir longe. Eu próprio defendo que o poder do Estado seja limitado pelos direitos do indivíduo, que esses direitos vêm antes mesmo do poder político e que dentre tais direitos não podem estar ausentes o direito da propriedade individual e a liberdade de expressão.
Até aí tudo bem. O problema chega quando com o liberal vem o conservador e com o consevador vem o reaça. Vejam, ao conceito simples de poder dispor do fruto de seu trabalho e poder expressar o seu pensamento, a direita junta a meritocracia, o capitalismo predatório e a moral cristã. Aí já fica duro de engolir.
Não é possível concordar que no Brasil, um país em que 48% da população não tem esgoto coletado, seja aplicável a máxima do conservadorismo liberal: "a economia vem antes da política". Generalizo e peço desculpas.
Eu sei porque o pessoal votou no Bolsonaro. O que eu não entendo ainda é porque esse pessoal que votou nele segue quieto agora. A resposta talvez esteja no espirito do conservador. Nesse individualismo distorcido que só olha para si e que torna tão difícil pensar no próximo. E, claro, ao medo de ver-se refletido no espelho.
Ou seja, a mesma dificuldade que o PT tem hoje de assumir o seu fracasso recente, os eleitores do Bolsonaro tem de assumir que elegeram alguém que reflete os valores mais primitivos da nossa brava gente brasileira: egoísmo, desprezo pelo fraco, orgulho da própria ignorância, hipocrisia moral e religiosa, complexo de inferioridade, subserviência em relação aos colonizadores, preconceito de classe, racismo e agressividade.
Abaixo compartilho o trecho da nota escrita pelo Facebook que diz respeito a remoção das contas bolsonaristas no Brasil. O texto fala por si e a leitura deveria ser obrigatória.
=
Facebook
Removendo comportamento inautêntico coordenado
08/07/2020
Por Nathaniel Gleicher, diretor de Cibersegurança
(...)
2. Também removemos 35 contas, 14 Páginas e 1 Grupo no Facebook e 38 contas no Instagram que estavam envolvidas em comportamento inautêntico coordenado no Brasil. Essa rede era direcionada a audiências domésticas.
Identificamos vários grupos com atividade conectada que utilizavam uma combinação de contas duplicadas e contas falsas – algumas das quais tinham sido detectadas e removidas por nossos sistemas automatizados – para evitar a aplicação de nossas políticas. A atividade incluiu a criação de pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicação de conteúdo e gerenciamento de Páginas fingindo ser veículos de notícias. Os conteúdos publicados eram sobre notícias e eventos locais, incluindo política e eleições, memes políticos, críticas à oposição política, organizações de mídia e jornalistas, e mais recentemente sobre a pandemia do coronavírus. Alguns conteúdos publicados por essa rede já tinham sido removidos por violação de nossos Padrões da Comunidade, incluindo por discurso de ódio.
Identificamos essa atividade como parte de nossas investigações sobre comportamento inautêntico coordenado no Brasil a partir de notícias na imprensa e referências durante audiência no Congresso brasileiro. Ainda que as pessoas por trás dessa atividade tentassem ocultar suas identidades e coordenação, nossa investigação encontrou ligações a pessoas associadas ao Partido Social Liberal (PSL) e a alguns dos funcionários nos gabinetes de Anderson Moraes, Alana Passos, Eduardo Bolsonaro, Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro
Presença no Facebook e Instagram: 35 contas, 14 Páginas e 1 Grupo no Facebook e 38 contas no Instagram
Seguidores: Cerca de 883.000 contas seguiam uma ou mais dessas Páginas no Facebook, cerca de 350 pessoas se juntaram ao Grupo, e cerca de 917.000 pessoas seguiam uma ou mais dessas contas no Instagram
Publicidade: Cerca de US$1.500 gasto com anúncios no Facebook, pago em reais.
11 de julho
Sirkis
Enquanto nosso Vice-Presidente Hamilton Mourão declara não ser possível estabelecer antes de 2022 (ou seja, antes de que termine o seu mandato) metas para controlar o desmatamento que avança sem controle na Amazônia , o ambientalista e fundador do Partido Verde no Brasil, Alfredo Sirkis perde o controle do seu carro, bate em um poste, capota e morre em Nova Iguaçu.
Sem nenhum vínculo ou relação, me veio a tristeza de Li Quingzhao e os versos que ela escreveu na fuga da invasão dos Jin, o povo bárbaro do Norte, quando perdeu o seu marido. Isso lá pelo ano de 1129.
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Já não venta
A terra rescende a pétalas caídas
O sol se pôs
sem que eu me penteasse
Ele partiu
E tudo permanece
Se tento
falo melhor soluçando
Ouvi que em Dois Arroios
ainda é primavera
Iria pelo rio
levada pela correnteza
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