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Elizabeth Bishop, FLIP e a patrulha.



Elizabeth Bishop não merece os ataques que recebe por conta dos comentários a favor do golpe militar de 64. Esse apoio é uma nota ao pé da página na sua biografia, foi expressado em cartas privadas ao Lowell e reflete a visão de uma poeta laureada americana durante a guerra fria. Bishop deveria mais ser atacada por sua visão colonialista, miope e caricata do Brasil. Fofocava de Bandeira, Jorge de Lima, Schmidt, Drummond como se tratasse de outra casta, "gente dos anos 30" nos EUA. Esse desdenhoso complexo de superioridade deveria bastar para que seu nome não fosse cogitado pela Flip. Sem mencionar o centenário do Cabral.
O auê que estão fazendo, hiperdimensionando a importância da posição política da americana é patrulha ideológica sim, disfarçada de defesa da democracia, como se escolher alguém como Bishop fosse flertar com o fascismo.
E antes que me ataquem por defender os militares em 64 ou ser Lacerdista, como a Lotta, não, vejam, não estou defendendo o indefensável. Não defendo golpes militares nem persigo poetas por declarações contextuais em cartas privadas, enviadas desde uma distante colônia ignorante, provinciana e tropical para seus pares sensíveis e inteligentes do mundo de cima. Não os persigo porque não vivo em 1964, não vejo o mundo como em 1964, nem procuro ter uma identidade revolucionária como a de 1964, quando, diga-se de passagem, o comunismo poderia ser tudo menos democrático.
Pasmo leio que Bolsonaro ameaça liberar a exportação de madeira in natura da Amazônia e que Guedes ameaça com o novo AI 5. Não há polo que se oponha a esse tipo de medida. Todos nos opomos. A resistência contra um governo truculento não é de quem o compara com 1964. É de quem vive hoje, no mundo de hoje e com os mecanismos institucionais de controle do presente. É preciso coragem para enfrentar a covardia do grupo contra o indivíduo. Paga-se um preço alto em indiferença, likes, elogios, e, sim, claro, convites para a Flip.
Patrulha ideológica contra Bishop... Convenhamos.

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