Pular para o conteúdo principal

Elogio ao poeta Getúlio Neves



Boa noite a todos, obrigado pela presença

I
O poeta a quem este elogio se dirige é Getúlio Neves, meu pai. Publicou A ira do silêncio em 1985, Águas siladas em 1992, Quadras e quadros em 1998 e Resteva em 2011, todos livros de versos. Em 1999, lançou o cd Anéis do tempo, com músicas e letras suas e, em 2006, O tapa furado – histórias e contos médicos. Foi fundador da ASL onde ocupou a cadeira n. 10.

Dele Mirtha Garat Marim disse
Getúlio é um lírico de alta sensibilidade que enfrenta com lucidez e ironia a inquisição da existência.

Na visão de Hugolino Andrade
Getúlio Neves é um poeta que trilha seus caminhos de maneira segura, dando a sua poesia estrutura e permanência definitiva entre nós.

Na do poeta Armindo Trevisan
A aparente facilidade do poema de Getúlio Neves é complexa: supõe um autor refinado, hábil versejador, técnico em rimas, rastreador de minúcias emotivas.

Afif Jorge Simões Filho, outro grande poeta do interior gaúcho, escreveu que Getúlio Neves transmite a certeza de que a poesia, como toda obra de arte, não é produto apenas da inspiração, mas também e principalmente do estudo, da reflexão e da experiência vital.

E para Colmar Duarte, Getúlio Neves é um poeta provinciano mas cosmopolita em seu conteúdo, tradicional e livre na sua forma, que escreve contra a massificação cultural e a aceleração dos tempos atuais, insistindo em reintegrar o indivíduo à natureza buscando uma paz remota, talvez perdida.

II
Neto de Belchior Neves e Eudócia Brites, por parte do pai, Dorval, e de Guilherme Ellwanger e Blondina Muller, por parte da mãe, Adalira, Getúlio Floriano Ellwanger Neves nasceu em São Sepé no dia 2 de fevereiro de 1929. Passou a primeira infância entre São Sepé e os campos da família no Ibiquí vindo para Sant’Ana do Livramento, interno no Colégio Marista, aos 8 anos. Daquela primeira viagem a cavalo com seu pai, pelos campos do Arroio Schilling até a Estação Ferroviária Palomas para embarcar rumo à Fronteira resta um poema.


                                                              Dorval Brites Neves

                        Palomas
Velha Estação corcunda e parda
como um cupim castigado de inverno
Emerges da folhagem molhada
aspergida em solidão
e dir-se-ia que na tua plataforma
só transita a hera
pelos trilhos onde o silêncio respira.
À esquerda, pelo túnel de amoreiras
um menino
em certa manhã partiu 
levando nos olhos um céu de alumínio
Depois rodas fumarentas
esmagaram as escamas de ouro
que os plátanos estenderam nos caminhos
Ouço agora
um sino bater, mas, não se
espera um trem: é o toque
de recolher das últimas abelhas.

Remota década de 30. Para os outros será remota. Mas para mim, que tantas vezes com meu irmão ouvi o pai contar aquela cavalgada, é tão atual quanto o dia de ontem. Curiosa capacidade da nossa memória, essa que abole a distância com a emoção. Esse poema diz muito da sua forma de sentir e escrever. A inocência forçada a enfrentar um mundo inóspito, sempre sozinha diante da beleza das coisas, derramando bondade pelas beiradas e perdendo sempre com ternura e compaixão.
Ele, diante do menino que foi na Velha Estação aos pés do Cerro Palomas, não espera mais um trem, mas o toque de recolher das últimas abelhas; toque que bem poderia ser apenas a vibração, o zumbido, de um sino sumindo no silêncio de uma gare abandonada. 

Um poeta da nostalgia. Para Getúlio, o tempo perde vida enquanto passa.

Interno também em Santa Maria no secundário. CPOR na Cavalaria em Porto Alegre. Medicina em Curitiba, Residência em Santos. Clínico e cirurgião de volta à Sant’Ana do Livramento no final da década de 50. Mais tarde, recebeu o título de cidadão honorário desta cidade que fez sua. Sei que disso ele sentia orgulho. Com o passar dos meus anos penso que o compreendo cada vez um pouco mais. Viveu bem, com medida. Não fez fortuna, não a procurou. Tinha um ofício e através desse ofício se dedicava a servir. Ele costumava dizer que não era médico por vocação. Que melhor teria sido se fosse advogado. Mas eu discordo.
Não por acaso seu patrono nesta casa é outro médico, pioneiro, abnegado radiologista, poeta bissexto, autor de “Ressurreição”, o Dr. Hugolino Leal de Andrade. Digo não por acaso porque admiramos nas pessoas aquelas qualidades que almejamos para nós mesmos. Dr. Hugolino Andrade foi um homem de grande carisma e, aos olhos de meu pai, o médico mais ilustre que Santana teve no século XX.  Ao descreve-lo, disse Getúlio, apropriando-se de Brecht
            “Existem médicos que são hábeis um certo tempo, outros que conseguem ser hábeis e amáveis por um tempo menor, finalmente, existem aqueles que além de hábeis e amáveis estão disponíveis o tempo todo, estes são os imprescindíveis, e Hugolino era um deles.”
Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Sobre o Dr. Hugolino e a amizade de toda a vida recomendo a leitura do texto escrito por Getúlio Neves ao Patrono desta cadeira que com tanto sentimento agora ocupo.


III
Em um comovente elogio à memória do seu amigo, o poeta alegretense Laci Osório, meu pai conta que começou a escrever poesia por ter sido desafiado. Conhecera Laci declamando O Trigo – uma das suas mais belas poesias – no Instituto de Radiologia do Dr. Hugolino Andrade, na década de 70. A sala do Dr. Hugo, nesse tempo, era uma espécie de oficina freqüentada à diário por seus amigos daqui e pelos que estavam de passagem na cidade para discutir política, atualizar fofocas locais e, eventualmente, medicina. Laci, notando o interesse demonstrado por meu pai, ficou de passar pelo seu consultório, o que fez naquela mesma tarde. Ele vendia, na ocasião, enciclopédias, dicionários, publicações de arte e obras literárias. Mostrou também alguns poemas em gravuras e livros da sua autoria, modestamente e sem maiores comentários. Começava assim uma relação que teria um papel relevante na vida do meu pai. O médico da província e o poeta comunista foram amigos até a morte deste, ocorrida mais de 30 anos depois.
Em uma das visitas ao consultório, Laci mostrou alguns novos poemas e, diante da reação reticente, perguntou se o amigo não tinha gostado. Este, com franqueza, lhe responde que talvez fizesse melhor. – Pois faça, respondeu Laci. Faça doutor e que na próxima vez o Sr. também tenha versos para mostrar.
Em Laci, meu pai encontrou um mestre, não – claro está – para a sua poesia, mas um mestre da própria poesia. Como ele mesmo diz:
Durante as longas discussões sobre os nossos poemas, Laci insistia em que devíamos ser simples, claros, concisos, mas não tão simples que só nos ocupássemos das coisas simples, não tão claros que o brilho nos impedisse ver, nem tão concisos que chegássemos ao hermetismo. Na poesia – dizia o Laci – a inspiração deve estar sujeita à síntese.
Durante os 15 anos seguintes Getúlio Neves escreveu os poemas que reuniria sob a capa de A Ira do silêncio. Conta então 56 anos. Poeta pronto, transita com igual domínio e naturalidade pelo verso fixo e pelo verso livre. “Águas Siladas” confirma, sete anos depois, o primeiro livro e o continua, animado pelo mesmo estado de espírito maduro, pleno e horizontal.
Há quem pense que a vida de um poeta na província é solitária. Mas não necessariamente. Homem aberto, Getúlio cultiva seus pares. E o faz com a constância das cartas, dos encontros ao redor da boa mesa, dos longos telefonemas. Além do Laci, nesses primeiros anos, estreitos laços o unem ao companheiro de juventude, o poeta de São Sepé Afif Simões Filho, ao poeta de Santa Maria, Armindo Trevisan, ao seu editor Carlos Jorge Appel e ao poeta Antonio Carlos Osório, radicado em Brasília. Para citar apenas os de fora de Sant’Ana. Precisamos mesmo, para afirmarmo-nos, não mais que meia-dúzia de leitores sinceros, que leiam nossos versos com o mesmo vagar com que foram escritos e nos digam usando dureza e carinho o que pensam sobre eles. Durante o seu período de afirmação, nestes poetas meu pai encontrou seus leitores.
Em uma análise suscinta, há pelo menos quatro formas poéticas recorrentes nas duas primeiras coleções de poesia e elas refletem as suas explorações estilísticas. Os tercetos, as quadras, os sonetos e os versos livres. São explorações de quem procura estabelecer zonas de conforto dentro do alcance da própria voz.
Leio a seguir três tercetos de seu longo poema Ruínas de São Miguel - 1984:

Céu antigo pendendo nos beirais,
a recortar abóbadas azuis
indiferente ao coro dos pardais.

Depus o sal nas bordas do meu verso
sandalias descalcei para adentrar-te
penumbra que já foi um Universo.

O pó da história levo nas retinas
e a sensação também de fazer parte,
de que modo não sei, destas ruínas.

Depois dos tercetos, as quadras – tão diversas entre si –. A primeira que trago pinta o céu do Ibiquí em que foi criado

Entardecer de iguapés.
Eram sargaços em chamas?
Eram cores sem raízes
que o rio no lago derrama.

Ou esta outra, singela, com as mãos da sua mãe Lira:

Percorro as ruas antigas
com infinito cuidado
de mãos que alisam, amigas
gastos e lindos bordados.

E quando o poeta e o médico juntos dizem:

Agradeça a anarquia
que te faz a gurizada
fome não tem alegria
febre não dá risada.

ou ainda                                            

Lembrança do teu amor
carrego sempre comigo
ferrugem de ouro velho
deixado em veludo antigo.

Sonetos. É na medida do soneto que, durante uma longa fase criativa, seu pensamento, emoção e inspiração melhor se equilibraram. Este que leio a seguir é inédito.
  Dia de chuva

É muito bom a gente ler Quintana
quando as goteiras pingam nos beirais
e a gente pensa que aqui em Sant’Ana
esta chuvinha não acaba mais.

Acendo o fogo na minha cabana
junto aos amigos tempos invernais
fazendo votos que toda a semana
os dias permaneçam sempre iguais.

Que se aborreçam outros, não importa!
Eu amo a chuva e as gordas suadas
Eu amo as vesgas e a madeira torta

Eu amo os dias neblinando assim
comendo este mingau às colheiradas
e tu Clarisse agarradinha em mim.

Eu amo a chuva e as gordas suadas / eu amo as vesgas e a madeira torta são versos que me acompanham desde que o pai os leu para mim pela primeira vez, no final dos anos 70. Ao folhear seus livros, é sempre sobre um soneto que detenho o olhar primeiro. Entretanto, a maior parte de sua obra é de poemas brancos. Poemas mais ou menos discursivos cujo cenário dominante habita antes no interior do autor para, desde lá, invadir a realidade.

  En pasant
Tamborila a chuva amplificando a minha insônia
A imaginação nebuliza os objetos
apalpando-lhes os seus contornos cegos
penetrando em seus esconderijos
Constato a presença dos adversários mudos e atentos;
cautelosamente
analiso as sombras na madrugada
e faço um movimento de avanço.
De imediato, fogos sinalizam e
um guerreiro destaca-se, fazendo perigosas
evoluções de luta.

Comtemplo-o firmemente e lhe declaro
o quanto é insensata a sua atitude – ele, então,
parece aquietar-se
mas não depõe armas, como é de uso nestas circunstâncias.
E assim ficamos por longo tempo;
por fim, as barras do dia o enclausuram junto com um bispo.
Bem sei que a noite o libertará
por alguns dobrões de cizânia. Estou, porém,
prevenido e aproveito a luz para
esculpir os brasões nos meus tabuleiros, 
tão necessários.

O estado de espírito de bondade, de leve absurdo, do poema O Sorriso de Deus

Eu tinha uma rosa
chamada “Sorriso de Deus”.
Era tão bonita que um guri
destes barrigudinhos, a comeu
pensando que era um doce.
Aí Deus sorriu desdentado
e pediu outra.

Apesar do repertório de estilos, sua voz não muda. Essa espontaneidade de timbre, caráter do que é genuíno, é uma das marcas da sua escrita. Sabe que poetizar o poema, como diz João Cabral, o artificializa. Dosa a beleza com punhados de verdade. Não o inverso. Getúlio foi um exímio diluidor de influências. Difícil determinar em quem apoiou-se e quando. Sei das suas preferências literárias por freqüentar a mesma biblioteca e pelos livros que dela me sugeriu ler. É raro encontrar a sombra de outros poetas nas águas dos seus versos. Como leitor, sei da sua admiração por Whitman e Pessoa. Que bebeu em Camões e Bocage. Conheceu toda a poesia moderna. De Dario a Vallejo, de Huidobro a Cernuda, dos surrealistas aos beatnicks, de Ungaretti a Montale. Mas foi com Antero e Cruz e Souza, ou Manuel, Cecília e Quintana que sentiu-se a gosto. Desprezou a política do meio e nunca teve – que eu saiba – projeto literário algum além de escrever o próximo verso. Apesar disso, em Quadras e quadros, de 1998, há uma enorme ambição.

Ambição de ser simples como

uma estrada antiga a entrar nas vilas
e desmanchar-se em ruas calmas e tranquilas
                                                                      
ambição de ser popular assim

Velha gorda igual a esta
confesso que nunca vi
é corpo pra duas almas
é mesmo um plural de si

Ou

Eu juro que já tentamos
Senhora, de todo o jeito
agora só continuamos
se lhe faltar com o respeito

Por outro lado e, guardando as proporções, não é difícil apontar na quadra um nobre parentesco com o haikai

O teu vulto entre neblinas
vai ficando no passado
poeira de areia fina
sobre o cristal machucado

Concomitantemente a feitura de Quadras e quadros e obedecendo ao mesmo impulso de simplicidade finaliza a composição das músicas de poemas, até então inéditos, como Planta FilhoVemSant’Ana, Antoninha, entre outros, e os grava no cd Anéis do Tempo, de 1999. Não fosse por O tapa furado, Histórias e contos médicos, de 2006, a primeira década do século teria sido a de um longo silêncio. O foi, se julgarmos apenas pela poesia.

Em Resteva, mais do que nos livros anteriores, o autor e seu contexto estão no centro da criação. O amor, o pampa, a cidade e suas praças, a meiga observação da natureza e dos tipos fronteiriços alternam-se com um humor às vezes corrosivo e não isento de amargura. Há menos circunstância em Resteva e mais reflexão. A dicção dos poemas ainda é coloquial, mas definitória. No lugar de seduzir, filosofa. Nisto, aquele estado de espírito da sua estréia, pleno e maduro, se verticaliza. Aqui ele inventaria suas verdades, pondera as incertezas e põe em perspectiva os valores da sua formação. Ou seja, afirma duvidando.

Porém, em meio as considerações inevitáveis, ainda permite que o leitor volte a respirar o lúdico universo de A Ira do Silêncio Águas siladas. Está a série de sonetos campeiros, entre os quais Um dia a mais que apreende um momento na vida do carreteiro onde nada de extraordinário acontece, só a poesia.

             Um dia a mais

Dois agudos de cheda seresteira
tira a carreta dos sulcos na estrada.
Apeia-se o gaúcho na poeira,
um dia chega ao fim na carreteada.

Desajojando os bois pela dianteira,
a última junta solta-se cansada.
E a douradilha, de passarinheira,
aponta orelha para os rumos da aguada.

Um piazito sai a catar lenha.
Longe a primeira estrela se desenha.
A cobra chama o sapo em silvo falso.

O guasca mexe-mexe nos embrulhos.
A lagartixa espalha pedregulhos
e o cusco erguendo a perna mija o salso

Faceta não mencionada, meu pai passeava. Era um caminhador. Muitos dos seus poemas foram escritos e revisados durante suas longas excursões pelos campos dos arredores e pelas ruas da cidade. Algumas leituras, às vezes, levam-nos a imaginar certos versos formando-se ao ritmo dos passos, absorvendo a paisagem em torno até dar com seus rascunhos. O pensamento a poetizar-se.

                                     Vida
Podes andar por sendas não trilhadas
e compartir com outros olhos
as transparências dos amarelos remotos
de reinos desconhecidos,
única fortuna dos que caminham.
Podes conhecer a geografia de todos
os povoados, a biografia de seus
paroquianos. Mas se não estiveres
em condições de sentir
a vocação da montanha para a majestade,
a arrogância das cores desafiando as chuvas,
o desvelo do limo decorando o leito dos rios,
a existência do amor nas casas fechadas,
a conspiração de ternura entre os perdedores,
o perdão:
muito acima do que és capaz de perdoar.
Terão sido vãos o vagar de andarilho
e o arrastar das tuas sandálias.

Em Resteva, Getúlio Neves encerra uma trilogia com A Ira do silêncio e Águas Siladas. Nestes volumes, futuramente lidos em um só, estabelece-se como um criador personalíssimo, de voz própria e universo definido. Como se insere na poesia riograndense e brasileira contemporânea é algo que a leitura crítica dirá quando atente aos artesões de ofício, onde grande parte da nossa identidade cultural respira. Este é um poeta existencial, às vezes árduo, às vezes cáustico, mas sempre terno.
Getúlio remou com folhas.

IV


Será que foi mesmo assim, pensamos... Não sei. As vezes, as palavras são escritas sozinhas. Pelo estilo, pela elegância. E a vida como realmente foi fica nos cantos. Não dita.

Faz dois anos que o pai morreu e faz todo esse tempo que ele segue morrendo. Não pára nunca.

Eu não sabia que ele tinha o hábito de marcar certas páginas dos seus livros com uma folha, sempre da mesma folhagem. O tempo ressecou as folhinhas. Não sei de qual árvore seria. Sei que a cada vez que encontro uma caída de um livro por descuido no chão da estante lá vem o pai morrer de novo.

Demorou até que eu pudesse enfrentar a chegada da sua biblioteca na minha casa. Passei dez, quinze dias, manuseando os seus livros, juntando-os com os meus numa espécie de união dos pensamentos do pai quando lia aquela passagem determinada com os meus pensamentos de então, quando lia a mesma passagem também. E depois a lembrança das conversas sobre nossas leituras voltavam claras, exatas. A memória, eu disse no começo deste elogio, tem essa capacidade de abolir o tempo com a emoção. E ao final da noite, quatro, cinco tragos não fazem o menor efeito. Adrenalina, penso.


Pó de livro


Comentários

caco disse…
Grandioso como uma panorâmica da pampa, infinito como o amor de filho e pai, claro e cristalino como este amor. Agradeço a poesia vivida. Obrigado primo, obrigado meu amigo.

Postagens mais visitadas deste blog

Mar Becker

  De Mar Becker sei que nasceu em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, e que é gêmea de Marieli Becker. Sua mãe, Meiri, costurava em casa e sua avó, Maria Manoela, foi vítima de uma tragédia não revelada às netas crianças. Que estudou filosofia e hoje mora em São Paulo, na reserva de Guarapiranga, com Domênico, seu marido. Sei que é leitora voraz, que tem bom gosto poético e que é culta, que gosta de cavalos, cães, gatos, Zitarrosa, de música nativista e de Glen Gould. Que toca violão e canta, gauchinha, com voz meiga, quase infantil. Sei outras coisas que, como estas, importam pouco, são letra fria diante do que ela escreve e da forma como escreve os poemas de "A mulher submersa", seu livro de estreia publicado pela editora Urutau.  A primeira impressão de leitura é de que esses poemas foram impelidos por instinto de urgente sobrevivência. Apesar da urgência, há neles lenta maturação e extremo refinamento. A leitura nos deixa quietos, maravilhados muitas vezes, enternecidos e ...

4 sonetos

Um regente do acaso para Raul Sarasola O encarte da exposição traz o artista empilhando discos de pedra lisa -gravity meditation não dualista- em três fotografias sem camisa (A pilha suspensa em ésse, o desnível, repele a queda mas captura a ameaça Aproxima o possível do impossível alinhando o centro de cada massa) Vem do caos o seu olhar polifacético Raul se entrega ao piche, ao ferro, à tela e, absorto, do escombro tira algo poético Quando plena, a ausência age, rege o acaso A face surge sempre com atraso É o abstrato sumindo que a torna bela Sant’Ana, 19 de junho 2016 Fotos em exibição Há uma série oculta em cada p&b A Chirca, O Miniabismo, O Véu, A Crosta Essa falésia é e não é uma ostra O longe vira perto, o vesgo vê Seria o lírio um pássaro pousado? Onde a sombra muda o ponto de vista outro real, que o filme não registra, some ao passar apenas vislumbrado Um campo, o céu, tão remota a brancura O nanquim de um salso no vento ao fundo O atemporal que entre as rajadas dura E pre...

"Exílio. O poema quântico". por Juva Batella

Os poemas que compõem o grande poema que se lê em Exílio não são narrativos; funcionam, antes, como fragmentos, e não como etapas ou camadas. A poesia de Thomaz Albornoz Neves não é, portanto, do tipo retórica ou esparramada, e compõe-se num espaço textual tão conciso, que o leitor — não tendo para onde fazer correrem os olhos — deve permanecer onde está, com o olhar virado para si e tentando, dentro de si, encontrar, neste espaço privado, uma equivalência pessoal para o jogo de espelhos de outro espaço privado: o espaço do poeta, ou, antes, do olhar do poeta sobre o mundo, sobre o seu fazer poético e ainda sobre o seu próprio olhar acerca deste fazer. A poesia de Thomaz Albornoz Neves não é fácil de se ler às pressas. Lendo-a às pressas, ela nos escapa. Ler poesia, em geral, não é fácil. É, antes, um movimento que caminha contrário à automatização que se ganha com o tempo e com os tempos dedicados à leitura de prosa — este correr de olhos em que saltamos de uma palavra à outra, rec...