sobre a exposição Versos para poemas não escritos no Espaço Braguay
I
O catálogo diz poesia. Thomaz é
produtor agropecuário. Sei que nasceu nesta fronteira e que foi estudar em uma
universidade do Rio de Janeiro, que morou na Europa e também pela América
Latina. Sei (pela introdução do belo catálogo que tenho entre minhas mãos) que
os trabalhos expostos abarcam desde 1981, ano em que parte de Livramento, até
1997, ano em que retorna à fronteira. Sua produção está à vista, aos sentidos
todos e à intuição.
São “33 esboços”. Rabiscos
realizados com nanquim, em uma diversidade de superfícies: guardanapos, livros
de poesia, bordas de páginas, envelopes de hotel ou restaurantes por onde
passava Thomaz.
Sempre me interessou a
caligrafia. Na montagem da exposição feita por Maria Luísa de Leonardis e Tati Bayo (figuras da monarquia fronteiriça
do reino de Braguay) nas paredes do reino-galeria e sob uma capa de cor negra,
a grafia de Albornoz Neves reproduz versos em um branco estridente em contraste
com o fundo negro.
Multiplicam-se pelas paredes.
.
Faltam
palavras mas o poema está completo,
e o único e escondido:
.
Se
encaro o vazio
algo
pára no que passa
e
irradia
traços polissêmicos, signos em
rotacão, versados haikais. Na parede adquirem uma força inusual de intervenção
poética. Há que noticiar-se também, que os poemas fazem parte de seu próximo
livro ainda inédito.
II
Não são necessários muitos traços
para captar a “alma” de um objeto, uma paisagem, uma pessoa. A arte oriental
chinesa e japonesa nos oferece suficientes exemplos da rara simplicidade de
muitos dos seus desenhos realizados com uns poucos e estudados traços de linhas
e manchas de nanquim, eliminando detalhes desnecessários, como se pode apreciar
em 33 Esboços.
Os mestres orientais, próximos
das filosofias inspiradas no zen ou no budismo, recomendavam aos seus
discípulos observar detidamente (dias inteiros, semanas inclusive) os modelos
na natureza (animais, plantas, paisagens, etc.) até interiorizar sua estrutura,
sua essência, sua razão de ser. Então e somente então, estavam preparados para
poder desenhá-los com breves e precisos traços. Esse nível de refinamento e
simplicidade nos provoca. Somos ansiosos, não temos tempo, fugimos da lentidão.
Pobres. Tão pobres somos nós.
III
A
carícia atrasa a transparência
(...)
O
mosto da língua, castanho antigo,
com
maresia
(...)
Ser
contigo o mesmo ar respirado
(...)
A
gota que escorre tem gosto
de
alma turva
(versos caligrafados de Thomaz para o catálogo)
IV
A poesia se esboça nos esboços de
Thomaz. Através das linhas sutis e seguras surgem figuras, paisagens, formas
mais ou menos abstratas.
Entre essas formas que tendem ao
abstrato (ainda que sempre apegadas à figura e ao desenho) encontram-se algumas
realizadas em técnicas mistas, aquarela e carvão (e sua mescla).
Outro tópico desses esboços
refere-se ao impulso, ao cotidiâno, ao espontâneo.
Existem autores que desacreditam
o trabalho plástico ou artístico baseado na espontaneidade. Para chegar ao espontâneo,
essa espécie de liberdade existencial, onde as decisões (e suas
prisões-eletivas) ficam quase suspensas. Ainda que a espontaneidade dá
trabalho. Assim como a inspiração deve ser completada com a transpiração.
Esse momento, esse silêncio pede
o grito original. O balbuciar e o grafismo dão à luz: a imagem, de onde nascerá
o desenho, a palavra.
“La poesía nace en el silencio y en el
balbuceo, en el no poder decir, pero aspira irresistiblemente a recuperar el
lenguaje como realidad total” afirma Octavio Paz em “Los signos en rotación”.
Uma experiência total. A que nos
brindou Thomaz e os residentes do reino de Braguay.
*Nota: A exposição estará no
Espaço Braguay, Rua dos Andradas 582 - até o dia 12 de agosto.
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