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33 - três e três - 33 de Artur Montanari

Artur Montanari





33





A expressividade deste duplo numérico representa um pouco o que está sendo exposto no Espaço Braguay, dualidade e individualidade, imagem e escrita em sintonia. A poesia transcendendo a palavra, a imagem impregnada de poesia, letra, traço, contorno, figura, espaço vazio e assim temos uma obra acabada com extrema capacidade de síntese, não um esboço.
Esboço talvez na incompletude do ser, na atenção instantânea da captura do momento, instante fecundo que precede a criação. O inexprimível, o que não pode ser dito, a limitação da linguagem em contraponto ao seu estado anterior, o silêncio latente, emocional e intuitivo, a lapidação da palavra, da imagem e do poema. Inspiração e sensibilidade na eterna busca da palavra como meio e fim.
A impressão que fica dos desenhos de Thomaz é a da instantaneidade, a da fluidez, a da linearidade, como se não houvesse dúvida na execução do traço, contínuo e sinuoso, bem como a sensação latente na criação dos poemas, frutos maduros prontos para serem saboreados, não importando o suporte, se um guardanapo, uma folha de livro ou simples pedaço de papel, apenas a busca da libertação do ser, o domínio do pensamento lógico ou a sua ruptura, em suma, existência.
Nas paredes negras do local da exposição, relampejam rastros noturnos de poesia, a escrita não precisa de sentido, é bela por si só, há plasticidade suficiente na caligrafia, ela contém, aprisiona o sentido e liberta a luz. A arte emanando das paredes em trinta e três instantâneos, retratos de pessoas, viagens e lugares, e por que não dizer, de momentos e identidades do artista poeta, abençoado e eterno viajante, nativo e estrangeiro ao mesmo tempo.
Escolho sobre a mesa ao acaso, um livro para ser autografado, passo os olhos e deixo para depois, na calma e no silêncio, um olhar mais acurado. Me despeço de Thomaz e do espaço Braguay, a luz irradiando dos anfitriões Maria Luisa e Leonidas.
Mais tarde, já em casa, na penumbra a agulha liberta “Chet On Poetry” do vinil e devaneio se o tinto em minha mão substituiria o nanquim dos desenhos, observo o livro e no desenho da capa novamente o duplo três, autorretrato em três traços verticais e três horizontais, coincidência ou signo oculto, não importa, a beleza de “Almost Blue” se mistura ao tannat e confunde meus sentidos.

Versos para poemas não escritos, a linguagem aprisionada no papel vegetal limita as impressões e sensações, a busca de algum sentido, a experiência não pode ser vertida, silêncio e vazio, tentativa de dizer o que não pode ser dito, poesia embrionária, ideia bruta, emotiva e sensorial.




 Folheio lentamente, há várias lâminas com miniaturas dos desenhos, a maioria feitos com nanquim, sensação de vazio e silêncio, traços certeiros respirando no papel e alguns com técnica mista, mais densos. Destoa e chama minha atenção a lâmina da página 33, abajur e mulher nua, novamente a duplicidade, contraste entre luz e sombra, traços em torvelinho, turbilhão, instante carregado de emoções, a luz tragada pela sombra em um movimento de atração e repulsa, sensação de estranhamento.




  

          Chego ao final do livro, olhar moroso e atento, observo a última lâmina, uma cena marinha, Isla de los Lobos, o horizonte poema na paisagem contemplada, o avesso da imagem na retina me causa uma sensação de naufrágio e solidão, trazendo a saudade do mar, ou do mar vindo à tona em mim.








Comentários

Michel disse…
Expresionante tu texto Artur!

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