A expressividade deste duplo numérico representa um pouco o que está
sendo exposto no Espaço Braguay, dualidade e individualidade, imagem e escrita
em sintonia. A poesia transcendendo a palavra, a imagem impregnada de poesia, letra,
traço, contorno, figura, espaço vazio e assim temos uma obra acabada com
extrema capacidade de síntese, não um esboço.
Esboço talvez na incompletude do ser, na atenção instantânea da captura
do momento, instante fecundo que precede a criação. O inexprimível, o que não
pode ser dito, a limitação da linguagem em contraponto ao seu estado anterior,
o silêncio latente, emocional e intuitivo, a lapidação da palavra, da imagem e
do poema. Inspiração e sensibilidade na eterna busca da palavra como meio e fim.
A impressão que fica dos desenhos de Thomaz é a da instantaneidade, a da
fluidez, a da linearidade, como se não houvesse dúvida na execução do traço,
contínuo e sinuoso, bem como a sensação latente na criação dos poemas, frutos
maduros prontos para serem saboreados, não importando o suporte, se um
guardanapo, uma folha de livro ou simples pedaço de papel, apenas a busca da
libertação do ser, o domínio do pensamento lógico ou a sua ruptura, em suma,
existência.
Nas paredes negras do local da exposição, relampejam rastros noturnos de
poesia, a escrita não precisa de sentido, é bela por si só, há plasticidade
suficiente na caligrafia, ela contém, aprisiona o sentido e liberta a luz. A
arte emanando das paredes em trinta e três instantâneos, retratos de pessoas,
viagens e lugares, e por que não dizer, de momentos e identidades do artista
poeta, abençoado e eterno viajante, nativo e estrangeiro ao mesmo tempo.
Escolho sobre a mesa ao acaso, um livro para ser autografado, passo os
olhos e deixo para depois, na calma e no silêncio, um olhar mais acurado. Me
despeço de Thomaz e do espaço Braguay, a luz irradiando dos anfitriões Maria
Luisa e Leonidas.
Mais tarde, já em casa, na penumbra a agulha liberta “Chet On Poetry” do
vinil e devaneio se o tinto em minha mão substituiria o nanquim dos desenhos,
observo o livro e no desenho da capa novamente o duplo três, autorretrato em
três traços verticais e três horizontais, coincidência ou signo oculto, não
importa, a beleza de “Almost Blue” se mistura ao tannat e confunde meus
sentidos.
Versos para poemas não escritos, a linguagem aprisionada no papel
vegetal limita as impressões e sensações, a busca de algum sentido, a
experiência não pode ser vertida, silêncio e vazio, tentativa de dizer o que
não pode ser dito, poesia embrionária, ideia
bruta, emotiva e sensorial.
Folheio lentamente, há várias lâminas com
miniaturas dos desenhos, a maioria feitos com nanquim, sensação de vazio e
silêncio, traços certeiros respirando no papel e alguns com técnica mista, mais
densos. Destoa e chama minha atenção a lâmina da página 33, abajur e mulher
nua, novamente a duplicidade, contraste entre luz e sombra, traços em
torvelinho, turbilhão, instante carregado de emoções, a luz tragada pela sombra
em um movimento de atração e repulsa, sensação de estranhamento.
Chego ao final do livro, olhar moroso
e atento, observo a última lâmina, uma cena marinha, Isla de los Lobos, o
horizonte poema na paisagem contemplada, o avesso da imagem na retina me causa
uma sensação de naufrágio e solidão, trazendo a saudade do mar, ou do mar vindo
à tona em mim.
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