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Sem pregar para conversos

  



A greve é um direito. Quanto a isso não há margem para discussão. E sempre será política, não sejamos ingênuos de esperar que a paralisação seja motivada por razões técnicas. A reforma da previdência, por exemplo. Ela será convocada pela oposição e sua adesão dependerá do grau de indignação da sociedade com o contexto do país. Grevista não é vagabundo, é cidadão.

Os interesses de parte à parte estão claros. Os argumentos, nem tanto. As forças políticas em ação tratam o povo como gado que, igual gado vale quanto pesa, e é tocado de um lado ao outro. A situação defende o mercado, a oposição a quem defende? Defendemos os explorados, dirá a esquerda, hoje enfim identificada com a causa. Defende mais a saudade da revolta, a volta à luta, companheiros, contra a opressão. 

Porém, que sentido tem discutir a reforma da CLT sem enfrentar o tamanho do Estado, a corrupção suprapartidária e a falência do sistema eleitoral, a sangria dos recursos públicos, o custo exorbitante de um funcionalismo inepto, seu fisiologismo endêmico e, no meio financeiro, o poder das corporações e o lucro intocável, obsceno, dos bancos? 

Ou devemos patrocinar esse mesmo fisiologismo do outro lado, nos milhares de sindicatos subvencionados e na CUT de rolex? Por quem estamos parando? Contra o quê protestamos? Só não venham me dizer que é pelo trabalhador brasileiro, a metade em regime informal. (São mais de 70 milhões de pessoas vivendo com menos de r$500,00 por mês.) 


A crise de representação reverbera da greve. E a democracia parece mais do que nunca ser o que é: miragem. Ou já esquecemos que Michel Temer e o PMDB são com Lula e o PT uma só moeda? O fracasso do Lulismo não é tanto ter se aliado ao stablishment, mas ter se aliado e fracassado abrindo espaço para uma extrema direita saudosa de repressão. Pasmos, assistimos a volta dos mesmos chavões esclerosados. Aqui a foice, ali o coturno. 

Agora, ser a greve um direito não a torna um dever. Se, por um lado, os ativistas parecem ignorar a prerrogativa de não aderir, com piquetes bloqueando o transporte - o que impede medir a paralisação espontânea e a coagida -, por outro, os meios de comunicação alinhados com a direita manipulam a cobertura visando desmobilizar o protesto e criminalizar a manifestação. Nunca antes uma difusão jornalística focou tanto na polícia de choque e nos excessos dos zumbis encapuzados e pelegos sindicais, e tão pouco nas passeatas que transcorreram em paz por todo o Brasil.  

Que a mídia siga mostrando sua cara horrenda pretendendo não ser vista, é uma desfaçatez que hipoteca a própria liberdade de imprensa. O quarto poder está tão podre quanto os outros três. Resta o fogo cruzado e o pato rengo aqui, escrevendo estas notas, alvo fácil da esquerda festiva e do fascismo galopante.

                                                                                                        

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