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Breve agradecimento por ocasião da Posse na ASL





Boa noite a todos,

diante dos que hoje ocupam estas Cadeiras, da memória daqueles que já as ocuparam e de seus Patronos, considero uma honra integrar a Academia Santanense de Letras. Agradeço aos acadêmicos que me recebem e especialmente à Maria Regina, pelo convite. Eu não me sinto à vontade dirigindo-me aos outros no papel de literato, menos ainda com o fardão e peço desculpas por essa quebra de protocolo. Não cultivo a figura pública do escritor. Escrever, no meu caso, é uma atividade solitária, que requer lenta atenção e recolhimento. E o livro parece ser o melhor meio para pôr em contato um autor com aqueles interessados no que tem a dizer e em como diz.

Apesar disso, sei que esta é uma ocasião solene. E tenho consciência de que os seus rituais existem não tanto pelo indivíduo a ser recebido, quanto para valorizar a razão essencial pela qual a Academia existe: as Letras. É pela literatura que estamos aqui hoje. Especialmente a santanense. Nos une, enquanto escritores, a responsabilidade de esboçar nossa identidade, por mais cambiante e fugidia ela seja. De captá-la no que tem de atual e inesperada, entendendo que sempre seremos mais contemporâneos do nosso passado e da História que criamos. Não é necessário escrever sobre Sant’Ana, ser regional. A atmosfera satura o que aqui se faz da mesma forma que este horizonte amplo, os extremos do nosso clima e a linha aberta com Rivera impregnam o temperamento do fronteiriço. Sei que a terra emana do que escrevemos.

A cultura se serve de nomes, não o contrário. O que fica do que é escrito não é, evidentemente, quem escreve, mas a língua. A literatura, é rêquete batido, permanece enquanto os escritores passam. Essa é a noção de imortalidade tão mal interpretada pela contra-cultura quando se dirige ao acadêmico. Diante da sucessão das vanguardas e do esgotamento das transgressões aprendemos com a voragem do século XX que nada envelhece mais rápido que a novidade. Modernismo, Surrealismo, Concretismo, Poesia Marginal, Performática, Audiovisual... E agora, ao que parece, estamos aguardando o primeiro poeta da Pós-Verdade emergir do meio de uma tribo hipster cansado de tanto outsider pasteurizado. Vivemos uma época em que o acesso à erudição está soterrado pelos lançamentos da estação. Isto sem mencionar as preferências e humores com que os antologistas definem os critérios de inclusão e de exclusão de uma obra no cânone de cada geração. Vocês sabem, todo o comércio da notoriedade. Porém, ao passar por tantos ismos e tendências, ficou claro que o que tem valor resiste aos rótulos da moda. Resiste, inclusive, a produzir longe das capitais e da atração exercida pelo eixo Rio-São Paulo. Quanto a mim, devo à poesia o não pensar em termos de moderno ou clássico, revolucionário ou tradicional, provinciano ou cosmopolita. Sei que o original sempre está vigente. O poema é bom ou não é, tenha ele sido escrito em ideogramas, alexandrinos ou versos concretos; no pampa, em Copacabana ou no Village. São constatações até simplórias, mas não por isso menos verdadeiras.

De modo que vejo a Academia como mais um lugar a serviço do conhecimento. O que é bom. Venho igual para servir. E agradeço a oportunidade de poder pagar também aqui algo do que devo à paragem de onde sou. De resto, importa muito para mim ocupar a cadeira n. 10 que foi do meu pai, Getúlio. E ter a alegria de contar entre os acadêmicos que me recebem nesta noite, com minha mãe, Celina. Não devem haver muitas Casas por aí com pai, mãe e filho entre os seus membros. O que, naturalmente, me remete aos meus avós e ao menino que fui numa biblioteca. Também sinto uma ponta de orgulho por minha família estar presente, em especial meus filhos, Juan e Santiago, que me têm pela primeira vez falando em público e de terno e gravata ainda por cima. Coça uma pulguinha na orelha deles agora... Quem sabe todo aquele tempo lendo e escrevendo tenha mesmo no final de todas as contas alguma ponta de sentido. Pelo menos enquanto alguém presta atenção... E, não Santiago, apesar da solidão do poeta, a poesia não se dá bem com a fama, tem pudor até do reconhecimento e nunca vai valer dinheiro. 
Muito obrigado.

Comentários

LeaLuzArtes disse…
Parabéns confrade...
jogos da memoria disse…
"...vejo a Academia como mais um lugar a serviço do conhecimento. O que é bom. Venho também para servir." Um belo propósito, parabéns poeta.
Unknown disse…
Tuas palavras são úteis como a luz caro confrade. Seja bem vindo.
Unknown disse…
Grande Thomaz, Glória!!!

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