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Entrevista à Amanda Ziani por ocasião do lançamento do "Pequeno Inventário Poético da Fronteira Oeste" na Marco Zero.







O lançamento do livro “Pequeno Inventário Poético da Fronteira Oeste”, organizado por Vera Molina, reuniu três dos quatro poetas santanenses selecionados para integrarem a obra. Lica Almeida, Getúlio Neves e Thomaz Guilherme Albornoz Neves receberam o público e autografaram, na livraria Marco Zero, essa compilação de poesias que também conta com a produção literária da santanense Lélia Almeida. Segundo Benhur Bortolotto, proprietário da editora Proa que publicou a obra, a decisão de idealizar uma compilação de poesias veio da confiança no trabalho criterioso da professora de literatura Vera Molina, que manifestou no facebook a vontade de criar um livro com a produção literária do gênero dessa região. “Quando nos reunimos para editar o livro, nos emocionamos com diversas poesias lidas em voz alta durante o processo de seleção”, conta o editor, acrescentando que acredita ser necessário estimular a realização de saraus poéticos como os que vêm promovendo em Uruguaiana. Entre as poesias selecionadas com rigor, estão as de Thomaz Guilherme Albornoz Neves. Esse poeta santanense iniciou sua produção na adolescência e está entre os 26 dos melhores poetas da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul reunidos no livro. Conheça um pouco sobre as inspirações e o processo criativos do escritor:

Páginas de Cultura - Tu já viveste em vários lugares, mas preferes escrever sobre este onde vives hoje, a Fronteira. Por quê?
Thomaz Guilherme Albornoz Neves - O lugar sobre o qual escrevo não existe, é imaginário. Não é bem um lugar, é uma paisagem interior. Nela, o vale do Espinilho e a Coxilha Negra onde me criei lindam com as dunas de Cabo Polonio e alcançam o mar aberto, o Atlântico, que é o outro lugar onde me sinto em casa. É como se do Lunarejo se visse o mar. Os animais, a natureza, o homem sobre o qual escrevo vivem aí. Não é à toa que os primeiros versos do meu último livro, “Exílio”, começam assim:

Campo adentro

Meu cão
na sombra do cavalo

Vazo o rumor do mar

De certa forma, sempre me senti em trânsito fora de Sant’Ana. Mesmo nos anos que morei longe sempre voltava para a Fronteira de tanto em tanto, como quem volta a um porto. Se meus poemas expressam mais esta região que outras é provável que seja porque ela predomina sobre as outras no meu interior, não importa onde eu esteja. 

P.C – Tu segues um rigor formal para a construção das tuas poesias?
T.G - Eu procuro usar o mínimo de palavras possível para expressar o que pretendo. Que a estrutura do verso desmonte se uma sílaba for retirada. Esse é o rigor. Mas não tenho uma preocupação formal antecipada com o poema. Não me digo: vou escrever decassílabos. A forma para mim é determinada pelo sentimento, pelo que eu quero dizer. Se o meu universo está despedaçado, se a realidade só é apreendida por mim em flashes, em lapsos de entendimento, então é coerente que eu escreva fragmentos.  Agora, se eu tenho um pensamento concreto e acabado sobre uma determinada cena, sei que posso usar uma forma poética mais convencional, mais fechada, como um soneto ou tercetos rimados. A forma parte do conteúdo.

P.C- Como iniciaste nesse gênero literário?
T.G - Escrevo desde os 14, 15 anos. Não sei dizer bem como comecei, pode ter sido numa aula de literatura, por causa de uma namorada, porque li determinado poema que iluminou o meu caos emocional. Depois devo ter pensado que escrever me tornava escritor e é muito provável que eu tenha idealizado a vida do poeta viajando pelo mundo, tendo livros publicados, respondendo perguntas como estas... Eu sei que segui escrevendo porque uma vez que acreditamos no poema que fizemos não existe razão para não escrever outro, e isto se torna um ofício, uma disciplina e, ao fim, uma forma de estar no mundo. Escrever é antes de tudo um exercício de atenção e de confiança em si mesmo. É também uma forma de amar o mundo.

P.C - Como é o teu processo criativo, escreves diariamente?
T.G - Eu sou um leitor e um anotador. Leio e tomo notas constantemente. No carro, em campanha, caminhando. Quando consigo reunir material suficiente para compor um ambiente minha rotina se torna mais rígida e passo a trabalhar naquele projeto todas as manhãs e durante o tempo que for necessário para livrar-me dele. De tal maneira que no fim escrever se torna um esforço para exorcizar o que estou escrevendo.

C.C - Na tua opinião, o que faz uma poesia ser da "região da Fronteira”?
T.G - Ela ecoa, mesmo que remotamente, algo desta nossa identidade multicultural, volátil e cambiante. Se quem escreve está poroso é muito provável que a terra, as estações, a flora e a fauna daqui também sejam filtros pelos quais o processo criativo passe e se impregne. Toda poesia é devedora do lugar onde é feita, de certa forma emana também dele. Por isso não penso que ser desta ou daquela região seja uma preocupação que o autor deva ter antes de escrever. É difícil que um poema não reflita o ambiente e a época em que foi escrito.

C.C – A poesia é uma forma de comunicar a subjetividade sem explicitar os conflitos interiores?
T.G - A poesia, mesmo a mais direta e realista, é feita de impulsos emocionais e de conflitos interiores. Nasce deles e os expressa. Uma poesia sem certa dose de subjetividade e de tensão vira mera descrição.

                 por Amanda Ziani, para "A Platéia", em 13\12\2012 

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