Celina Hamilton Albornoz
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Eu lhe falei de um lugar onde nos sentiríamos no deserto. Sua compreensão me confortou. Partimos no silêncio. Mudos pelo campo sem-fim. Agarrado a minha mão, quase um menino, sua confiança não pesa nada perto dos pensamentos que não consigo tirar de mim. Viemos do acampamento dos trabalhadores sem terra. A mãe dele desapareceu depois que a polícia invadiu o barraco de lona, levando o filho mais velho. O pai morrera há pouco. Eu não conheci o meu. Nem sei se minha mãe sabia quem era. Quando encontrei o menino no meio da multidão revoltada, mãos nos ouvidos, grito sem voz, senti minha experiência de volta nas suas pernas franzinas, nos seus olhos esbugalhados. Mas não chorei. Nunca choro. Embora ainda doa o aperto do homem que me desgraçou, furando minha pele com suas unhas. Gargalhando. Depois de me usar, me entregou a uma dona. Passei um tempo vendendo meu corpo, jurando nunca mais me comover. Até o momento em que a mãe do menino sumiu. Lembrei da minha. Ela também desapareceu quando, pela primeira vez, senti os peitos intumescidos, o sangue descer. Minha mãe foi espancada até a morte. Inventei esse fim para ela. A idéia de deserto, também. Não conheço nenhum, sou daqui mesmo, deste descampado verde. Apenas gosto da palavra deserto, do que provoca em mim, para onde me leva. Deve ser mágica, pois bastou ele a ouvir, para querer me acompanhar. Não estou mais só. Vou. Estou indo, é lá. Naquela direção.
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