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RENÉ CHAR





Isle sur Sorgue 1907 – 1988







QUATRO FASCINANTES


I
O TOURO

Nunca está escuro quando morres
rodeado por trevas que urram
Sol de dois extremos semelhantes

Fera do amor, verdade na espada
Casal que se apunhala único entre todos



II
A TRUTA

Margens que desabam adornadas
a fim de cobrir todo o espelho,
Grava onde o barco balbucia
que a corrente ergue e persegue,
Relva, relva, sempre estirada,
Relva, relva, sempre e sem trégua,
O que se torna vossa criatura
nas tormentas transparentes
onde a precipita seu coração?



III
A SERPENTE

Príncipe dos contrasensos, exercita meu amor
para evitar ao seu Senhor que odeio por não ter
mais que escura repressão ou suntuosa esperança

Revanche das tuas cores, bondosa serpente
na felpa do bosque e em todas as casas.
Pelo laço que une a luz ao medo,
ameaças fugir, oh serpente marginal!



IV
A COTOVIA

Extrema brasa do céu e primeiro ardor do dia
Incrustada na aurora canta a terra agitada
Arame de sinos dona do seu alento e livre do seu caminho

Maravilhosa, a matam ao maravilhá-la.

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